domingo, 23 de agosto de 2009

a vida é um prato feito

Vou contar um segredo: um dia qualquer, depois do ocorrido, decidi levar flores pra ela. Eu lembrei da Emilia, de como a gente se gostava e se dava bem. Não conseguimos nos despedir, e ela (de raiva) deu fim numa caixa de roupas que eu deixei na casa dela, devia ter uns 2.000 euros de roupas semi-novas lá. Talvez, se eu tivesse tido a coragem de ligar, isso não teria acontecido - mas isso é outra história.
Nesse dia, então, decidi levar orquídeas. A tristeza me consumia, mas me arrumei bem bonita, passei aquele lápis azul que todo mundo elogia quando eu passo. Coloquei meus óculos de sol novos, apesar do céu nublado. Estava um dia abafado típico de dezembro, o céu baixo, quase encostando nas nossas cabeças. Fui dirigindo devagar pela Radial Leste, chorando. Ouvia Esperanza Spalding "...you always wanted something more from my body and said you needed something more from my loving, but all you got was me and that´s all that I can be, I´m sorry if it let you down...", acho que inconscientemente guardava a esperança secreta de que algo mágico pudesse acontecer naquele trajeto, você apareceria parado no farol ao meu lado ou encontraria teu carro na porta da casa dela, uma visita inesperada, uma coincidência feliz. Mas antes de chegar, comecei a tremer. Eu confiava nela, sabia que iria ser um segredo só nosso, ela jamais te contaria. Mesmo assim, estava insegura. De maneira nenhuma estava fazendo aquilo para você saber, mas você não iria acreditar se descobrisse.
Toquei a campainha. Ela saiu secando as mãos num pano de pratos velho. Me olhou com espanto. "Oi!. Tá tudo bem???", perguntou.
"Está. Vim te fazer uma visita...", disse eu, já com a voz embargada.
Ela abriu o portão. Me beijou. "Entra. Quer um café?".
"Não, obrigada. Tô meio apressada... Na verdade, vim trabalhar pra esses lados hoje e passei pra te trazer essas flores. E pra despedir de você".
"Despedir?? Por que? Você vai viajar?", perguntou.
"Não sei ainda. Talvez vá. Talvez fique. Mas eu vim pra te dizer que gosto muito de você. Precisava te dizer isso, já que não vamos mais nos ver", despejei.
"Minha filha, a gente nunca sabe de nada. Agredeço as flores, são lindas. Mas a gente se vê por aí, a vida dá voltas".
Por debaixo dos meus grandes óculos escorria uma lágrima. Ela, durona, não foi capaz de me dar um abraço e de dizer que tudo ia ficar bem. Mas fez o que pôde. Ofereceu novamente um café fresquinho para tentar desatar nós e, na sua simplicidade, disse uma coisa que nunca esqueci: "A vida não se engana, Beta. Ela é um prato feito. A gente é que tem mania de não querer comer o que tá no prato. A gente quer que as coisas sejam como a gente quer, mas não é assim não. Come e pronto".
Ao sair daquela casinha com jeito de interior, levei o cheiro do café coado na hora. Reparei no cacho de orquídeas, sobressalente em meio às outras plantas de que ela gostava. Imaginei você, que ao passar por aquela varanda quando fosse, certamente iria reparar nas flores novas. Um rastro meu pra você.