terça-feira, 28 de abril de 2020

agradece

Abro os olhos. Mais um dia. A criança acorda. Pede comida. Reclama. Porque tem que escovar os dentes, porque tem que se trocar e lavar a própria louça do café da manhã. Essa mania dele reclamar da vida, não sei de quem puxou. Sigo dizendo: agradece, agradece, agradece! Olha como você é afortunado – e listo as razões pelas quais ele deveria apenas ser grato. Ele parece não me ouvir. Ele não me ouve. Mais um dia sem ser ouvida.

O copo está cheio. As costas doem. É um peso descomunal não ter com quem dividir a responsabilidade de criar um ser humano, em todos os níveis. Uma criança é um projeto de, no mínimo, dois. Não sou vítima. E não falo só por mim, por ser mãe solo. Falo pela grande maioria de nós, acompanhadas ou não, mas extremamente sós nesta missão de criar filh@s. Falo por esse sistema escroto que nos obriga a criar nossos homens, além de nossos filhos, para que aprendam a criar os filhos deles. Falo pela inconsciência de muitas de nós sequer nos darmos conta dessa perversidade. Ou, se nos damos, silenciamos e seguimos perpetuando esta dor ancestral. A dor de uma linhagem inteira de mulheres subtraídas de suas potencialidades, ensinadas a acreditar que nasceram para ser mães.

Rezo para me conectar a estas velhas bruxas sábias, que elas nos mostrem o que amavam e sabiam fazer e despertem em nós essa liberdade. E agradeço - porque afinal só tenho a agradecer!