quinta-feira, 14 de maio de 2020

amor de quarentena

A pandemia já mudou o amor.

Ainda bem, eu diria.

Não sei, nem ninguém sabe para aonde vai esse rumo novo, mas ele será diferente.

O amor estava precisado de um susto, os relacionamentos andavam trazendo mais dor que liberdade, mais confusão que proteção, mais apego que afinidade.

Tomara que a gente precise tirar a máscara para beijar direito.

E tomara que a gente tome mais tempo para entrar nos relacionamentos e tomara mil vezes mais que a gente precise de bem mais tempo para sair deles, se assim for mesmo o melhor.

Que a gente entenda que um novo amor precisa se acostumar a amar de novo e isso demora mesmo e que os incríveis primeiros meses são anestesia gostosa para nos dar fôlego para recebermos o pacote completo que virá depois, pois sempre vem e caso não venha, ache estranho.

Todo mundo traz brindes surpresa!

Inclusive você, só para lembrar!

É no brinde que está o prêmio. É no defeito que mora a evolução.

É na implicância que mora a maturidade.

É na aceitação do outro que mora a aceitação de si.

Os amores que dão certo passam mais por proteção externa que interna.

Passam por isolamentos profundos, acomodações turbulentas, recessões doloridas, revoluções barulhentas e até um pouco antes de levantarem voo eles reclamam, duvidam, estranham e temem, mas não param de correr em direção ao impulso, pois é disso que é feita a vida a dois.

Eu espero amorosamente que tudo que está acontecendo faça de nós melhores amantes, melhores amados, em melhores voos.

Tempo Rei, oh tempo Rei, transformai as velhas formas de viver! .

Texto de Claudia Lebie
Ilustração @sabeth_art




terça-feira, 12 de maio de 2020

deriva

- Ficaremos sempre juntos?
- Não.
- Como assim? Você disse que me ama.
- Amo, mas não estaremos sempre juntos.
- Por que?
- Porque às vezes eu terei que ir pros meus cômodos reorganizar ideias ou lembranças.
- E eu?
- Você provavelmente terá que fazer o mesmo, mas não vai me dizer por medo que eu não entenda, ou talvez porque seus cômodos já estejam organizados e você não vai sentir necessidade de ir pra lá. Aí você vai pedir pra ver os meus, mas não vai poder.
- E a partilha?
- Partilharemos muito, tudo aquilo que terei prazer em te mostrar e tudo aquilo que você tiver vontade de me mostrar. E também tudo o que vamos adorar descobrir juntos. Mas nunca vamos entrar sem bater na porta do coração – Oi, você está ai? Posso entrar?
- Então vamos ter segredos!
- Não chamaria de segredos, mas de minha vida e sua vida, que às vezes pode se tornar nossa vida, às vezes não.
- Mas nos momentos em que você não estiver vou me sentir só no meio do mar e certamente vou me afogar!
- Mas eu não sou uma rocha e você não será minha margem.
- Então, o que é tudo isso?
- Eu espero que seja uma deriva, sem saber se haverá uma cachoeira ou um tubarão, jacarés ou pescadores. Espero que neste fluir entre fortes correntezas, enquanto eu nadar minha salvação e você nadar a sua, não nos percamos de vista e não percamos a coragem de ficar na água.
Se estivermos com sorte, pode ser que encontremos um velho tronco que sirva de apoio, juntos respirando (respirando-nos) e contando histórias. Em outras situações, teremos apenas olhos para nos fitar.
- Então será uma deriva?
- Sim, então será um amor.

[livre tradução do texto de Francesca Pachetti, La Raccontadina