quarta-feira, 31 de março de 2010

a complexidade de ser simples

Ser simples é difícil, porque custa tudo o que a gente tem.
Para ser simples, é preciso perder tudo.
Por isso optamos por ser complicados, é mais fácil.
E nos esquecemos da simplicidade.

domingo, 28 de março de 2010

amanhecendo

O céu furta-cor traz o ar fresco da manhã
Gosto da aurora, como gosto do entardecer
Sou boêmia e diurna
Gosto mesmo é de viver.

sexta-feira, 26 de março de 2010

matemática da vida

Trinta e poucos anos, provavelmente classificado pelo IBGE como "pardo". Mãos grossas, calejadas, com permanentes resquícios de tinta branca. Julgo que fosse pintor de parede. Sacolejava no barulhento 7228/10 sentido Pinheiros e levava aberto um livro de matemática antigo, daqueles de capa dura e papel couchê usados nas escolas públicas na década de 70. Apesar das páginas levemente amareladas, estava bem conservado. Passeava com a ponta de um lápis mal apontado pelas formas arredondadas: estava no capítulo de "conjuntos". Detinha-se especialmente no entendimento das intersecções. Voltava para a página anterior, repetia mentalmente o racioncínio acompanhado do lápis mal apontado, virava a folha, fazia um leve sim com a cabeça, logo um não. Fechou o livro, num misto de cansaço e resignação, para contemplar a paisagem molhada da cidade que o ônibis rasgava sem dó.
Fiquei então imaginando qual seria o valor daquele aprendizado: conjuntos matemáticos pura e simplismente, descontextualizados de qualquer elemento com que aquele sujeito pudesse estabalecer conexão. Nunca fui boa aluna de matemática e carrego até hoje o ônus disso. Reconheço a importância do desenvolvimento do raciocínio lógico e analítico, talvez o modo como me foi ensinada a matemática foi tão equivocado quanto o que está sendo ensinado àquele jovem senhor no ônibus. Entrei na minha utopia diária de pirar sobre como as coisas poderiam ser diferentes (e mais legais!), de como poderia ser mais interessante compreender (e vivenciar) os sistemas, os conjuntos, os elementos matemáticos como representações gráficas das nossas estruturas sociais cotidianas, da nossa condição de indivídios inseridos na coletividade. E daí as intersecções, a riqueza e a multiplicidade de possibilidades que elas trazem: milhões de cruzamentos, reencontros, enlaces, nuances, níveis de profundidade. Gostaria que tivessem me ensinado matemárica assim.
a + b = X não significa nada.
eu + você = nós. Isso é muita coisa.

quarta-feira, 24 de março de 2010

o que muda quando algo muda?

Corte Seco é sobre os cortes que podem mudar tudo. Acasos. Perdas. Encontros. Desencontros. Acidentes. Repetições. Pessoas que passam. Passagens. Ruas e avenidas. Vigilância. Fragmentos da vida? Janelas. Muitas janelas. O que tem por trás? O que tem por trás do que não vemos? Nós voyeres de nós mesmos. Teatro. Essa pequena sociedade que se forma a cada dia. Atores e personagens. O que tem pro trás do que não vemos? A estrutura aparente. Transparente. Visível. O jogo mostrado, vivido, ao vivo. O corte em cena, como na vida, será inesperado. Como na vida, o teatro um jogo sem rede. Risco. Risco. Risco no chão. Corta. Corte Seco, ainda sangra? Sangra. Mas traz o novo. De novo. O novo. Sem medo. E fim.
[Christiane Jatahy]

segunda-feira, 22 de março de 2010

too much

Já escrevi aqui sobre a loucura (dos outros). É isso: difícil é assumir as próprias loucuras. Trêmula, sou obrigada a reconhecer que não há loucura individual sem loucura coletiva. Não há o invidual sem o coletivo. Não há você sem mim, nem eu sem você. E está faltando este entendimento. Estamos por demais ensimesmados em nossas próprias loucuras. Hoje fui assistir ao espetáculo "Escuro", da Cia Hiato, que escarra na nossa cara que todas as patologias daquelas personagens patéticas estão coladas em nós. A cegueira, a mudez, a limitação da linguagem são parte do nosso cotidiano urbano. Realizamos grandes coisas e cremos que isso nos torna importantes, únicos. Pobres de nós. Grande ilusão: estamos gradualmente perdendo o olhar pro outro, a capacidade de nos relacionarmos com profundidade, o diálogo com o outro.
Este mundo está demais pra mim, evasivo demais, barulhento demais, conexões demais, choro demais, riso demais, lixo demais, trânsito demais, dinheiro demais, televisão demais, miséria demais, loucura demais.

sábado, 20 de março de 2010

O corpo dói porque a alma dói. É desesperador chegar à beira da loucura estando completamente sã. É enlouquecedor ter consciência, mas não ter lucidez para aceitar as coisas como elas são. É enlouquecedor querer eternizar momentos, porque a vida é movimento, não há replay nem rewind.

quarta-feira, 17 de março de 2010

sete ou oito amigos

Vínhamos conversando sobre amizade na luz bonita da noite molhada. Falamos que 7 ou 8 amigos é um bom número. Ótimo, eu diria. "Até o fim da vida", disse o Filé. São 7 ou 8 personagens que vão e vem, saem de cena, dando espaço a outros coadjuvantes. Às vezes voltam, nem sempre. E isso não é triste, só um movimento natural da convivência, das aspirações, dos momentos de vida de cada um. Saudades? Sempre há. Principalmente pros saudosistas como eu. Mas hoje entendo e respeito amizades que se foram e talvez não voltem. E já vivi algumas que foram e voltaram. E continuam indo e voltando... talvez esse seja seu ponto de equilíbrio. Já voltei pra algumas também (com muitas saudades) e parti de outras que não faziam mais sentido. Porque a vida é assim: movimento. E mesmo que às vezes esse movimento se pareça mais com um terremoto, a gente percebe que ele acontece pra tudo ficar no lugar. Perfeito.

terça-feira, 16 de março de 2010

o pior é que...

... eu não acho que você seja um imbecil. E nem acho que vou achar isso. Eu queria, mesmo, mas eu realmente acho que não vou achar. Por mais que procure, não vou achar. Na verdade, quanto mais procuro, menos acho. Acho que você é legal pra caramba, é isso.
Será que a imbecil sou eu?

domingo, 14 de março de 2010

a torneira do filicas

Depois de falar incansavelmente de ti, levantei para ir ao banheiro. Geralmente minhas idas ao banheiro no Filial são eventos sublimes de observação: a mulherada muy bêbada fica engraçadíssima usando superlativos com o espelho, fofocando sobre os moços do balcão ou arrumando a alça do sutiã. Mas neste meu bar cativo existe uma particularidade que torna a ida ao banheiro mais divertida. E eu sempre caio nessa pegadinha infame... quando dou por mim já estou gargalhando em frente ao espelho. Ocorre que a torneira da pia é normal. Normal, digo, não é daquelas com sensores hi-tech ou a outra que você aperta e sai um macio jato de água. É uma torneira normal, sabe? Daquelas de rodar que você tem em casa? Só que TODA VEZ, já com vários chopps na cuca, vou lá e dou aquela apertadinha pra água sair. E ela não sai. E eu aperto de novo. Nada. Aí eu olho no espelho e repito pra mim mesma "porra, faz dez anos que você vem nesse mesmo banheiro abafado e fedido, você ainda não sabe que tem que abrir a torneira rodando??". É, eu não aprendo.
Bem, nesta noite quente, entrei no banheiro e, enquanto fazia xixi, lembrei da torneira. Ah, hoje essa danada não me pega!, pensei. Me posicionei estrategicamente em frente à pia, coloquei o sabão sobre a palma da mão com cuidado e rodei a torneira até a água jorrar abundante. Vitória!
Foi neste momento então que olhei para o lado e notei minha companheira de banheiro praticamente esmurrando a torneira e passando insistentemente a mão sob ela, na tentativa de tirar uma gota de água daquele aparato jurássico. Ela me olhou atônita: "como sai água desse treco???".
Eu ria de dobrar, e ela deve ter me achado uma louca, obviamente.
Ai, ai, adoro essa torneira retrô.

sexta-feira, 12 de março de 2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

tristeza insone

Esses malditos hormônios, um dia ainda jogo eles pela janela.
Qual será a utilidade de me deixarem tão melancólica, instável, quase bipolar e tremendamente dramááááática??? E o que será que eu preciso fazer pra satisfazer as vontades deles, além de devorar uma barra de chocolate meio amargo? Além de ser condescendente com eles, ouvindo todas as músicas mais tristes do mundo que o edu me fez colecionar? Além de praticar a saudade, mergulhando em fotos que poderia facilmente rasgar?
Permaneço acordada, companheira fiel, ouvindo os ruídos incessantes da cidade, dando corda pra esses malvados, que me invadem e me cansam, e me fazem desacreditar do amor, me desviam dos encontros para os desencontros, me confundem e me causam mais indecisão do que uma libriana com ascendente em aquário poderia ter.

Quem tem coração
Reconhece a dor
Afinal é real
Fim de papo.
Tó Brandileone e Vini Calderoni

terça-feira, 9 de março de 2010

pirilampo

Cada vez que vejo um vaga-lume volto um pouco à minha infância. Sinto o perfume fresco do bosque de ciprestes na casa da tia Emilia, na Itália. Nas noites de verão, aquele bosque misterioso e imenso para mim, tão pequenina, ficava carpetado de vaga-lumes brilhantes. Apagávamos as luzes para contá-los na escuridão. Era diversão garantida.
O grande evento, porém, era capturar esses pequenos insetos das bundinhas brilhantes e colocá-los dentro de copos virados de cabeça pra baixo sobre a mesa. Então era hora de ir dormir: durante a noite, o vaga-lume do copinho magicamente se transformaria numa moeda de 500 liras, que eu encontraria na manhã segunite, numa felicidade sem fim.
Obviamente eu juntava 20 ou 30 desses pobres bichinhos e pegava todos os copos da casa para dispô-los sobre a mesa do jardim. Alguns fugiam pelas frestas da madeira, e lá ia eu de novo pegá-los para ganhar minha moedinha.
E quando eu ia pra cama, minha insubstituível tia mais querida do mundo - a tia mais perfeita que alguém poderia sonhar ter - caçava todas as moedas disponíveis nas carteiras do meu tio, dos primos, dos amigos que jantavam lá, para que nenhum copo ficasse vazio, e finalmente libertava os pirilampos para continuarem brilhando na noite quente.

Disfarço meu pranto ao me lembrar desses momentos impagáveis - e desejo secretamente voltar a ser criança.

quinta-feira, 4 de março de 2010

falemos

Falemos.
Falemos o que ainda não foi dito.
O que temos receio de dizer.
Falemos para matar essa ansiedade do desconhecido.
Para colorir as ilusões.
Para aliviar as inseguranças.
Falemos do amor.
Do desejo.
Da dor.
Do abandono, sobre o qual nunca se fala.
Falemos para não enlouquecer.
Dos sonhos que nos movem.
Falemos sobre a necessidade do silêncio.
E sobre a importância do tempo.

Falemos para desatar-nos.

quarta-feira, 3 de março de 2010

as coisas poderiam ser diferentes

se você não olhasse só pro seu umbigo, pra sua casa na praia, roupas, fazenda e mercedez se você se importasse com a função social do seu trabalho, com o alcance que ele poderia ter, se você fosse uma pessoa decente, se praticasse valores de colaboração ao invés de incentivar a competição, se incentivasse a cooperação e não o legalismo, se você não tivesse essa ganancia desmedida, esse excesso de autoritarismo, essa governância caótica, se você fosse uma pessoa inteligente as coisas poderiam ser diferentes. Mas você é quem você é e as coisas são como são.
Você (assim como metade da humanidade que se parece com você) me causa insônia e dor de estômago.

terça-feira, 2 de março de 2010

mais um adeus

Eu já devia estar acostumada, mas não consigo. Toda vez que ele vai, fica um buraco. Dessa vez ficou também um medo, talvez porque a fragilidade dessa vida tenha invadido a data mais festiva do ano de forma tão abrupta e tenha me fragilizado também. Talvez porque eu também esteja envelhecendo. Talvez porque eu mesma quisesse ter a coragem de fazer as malas e voar. Ou porque as piscadas abreviam os melhores momentos, que nunca parecem ter sido suficientes.
Não sei o que é. Mas não me habituo a essas despedidas.
Vai bem, querido. E não demora a volta.
Volta pra ficar.