terça-feira, 5 de novembro de 2019

incapaz

Sinto-me incapaz de ser amada. Assim, homem-mulher-par-companheiros. Posso dizer a verdade? Sinto. Será sentimento comum às mães de crianças pequenas? Será, ou é só minha a sensação-vento? Sinto assim, como se meu universo não encaixasse. E não é baixa estima, assim, corriqueira. Não. É uma sensação de que não pode ser. É uma sensação de desencaixe. É como se minha rotina fosse tão tão que... né? Nem dá. Nem dá. Eu tenho esse sentimento como quem olha e não habita. Como quem deseja, mas nem ousa. Como quem camufla, mas nem aprofunda. Aos que dançam sozinhos, toda uma completude. Que o seja. E esforço-me para não transparecer. Lá vai ela, mãe. Lá vai ela, sendo. Distancio dos encontros porque chove, porque chovo, porque não dou conta. De ser. Amada. Porque controlo meus impulsos com este choro baixinho. De canto. Em canto. Se me dói? Às vezes sim, noutras não. Acolho. Como joaninhas que nos alugam as saias, sigo com ela ali – presa na estampa florida. Presa e solta, mas ali. Aqui. E dá vontade de soprar: a joaninha. Vá ao vento, vá, vá.. Mas nem. Nem. Agora, sinto-me velha. Não interessam-me mais tanto as baladas, os jogos de romance, o habitar de in-serenidades. Agora, sinto que é muito mais branda e muito mais calma a necessidade. Coisa pouca. Carinho leve. Nenhum grande apaixonar, nenhuma galopada rude de arrancar os ossos. Assim, com crianças ao lado... Como crianças ao lado. Só um tilintar. Dia. Após dia. As coisas pequenas, os sentimentos profundamente silenciosos e nem por isso menos. Essa vontade de pertencer, só isso. De partilhar, só isso. Essa vontade calma. Esse recuar invisível. Esta confusa verdade. A mulher que vive em mim e que anda assim, gota. Assim, água. Assim.

[Genifer Gerhardt]