sexta-feira, 29 de setembro de 2017

elevador geolocalizado

Apressada como sempre, amarrou o cadarço no hall enquanto esperava o elevador chegar. Atrasada como sempre, entrou afobada já pegando o blush de dentro da bolsa. Até chegar no térreo daria pra dar um tapa (na cara). Esta cara ainda jovem, de uma menininha, diziam alguns (uma leoa, na verdade). 

Lançou um olhar de poder pro espelho. Ainda daria tempo de passar o rimmel. De repente sentiu o solavanco do elevador, parou no 4. Abre a porta aquele moço grisalho simpático. Ele tem uma moto dessas grandonas, os menino pira tudo na moto do cara. 

- Bom dia.
- Bom dia.
O bom dia foi meio desprezível, de costas mesmo. Os olhos se cruzaram no espelho do elevador. Tantos anos morando no mesmo edifício e ela nunca havia percebido que esse moço poderia ser interessante. Na verdade ele não era - não para ela. E o fato deles terem se cruzado num aplicativo de relacionamento geolocalizado na noite anterior não o tornava mais interessante. A única coisa que eles pareciam ter em comum realmente era morar no mesmo prédio.

- Tudo bem? 
- Tudo... e você?
- Seu cadarço tá desamarrado.
- Ah, nossa, to sempre correndo apressada... amarrei o de um pé só (risos).
- Não se apressa tanto não...
- Como?
- Tive um infarto no mês passado. Eu estava sempre muito apressado. 

O elevador chega no térreo. Ele abre a porta sorrindo.

- Desculpa te falar assim, é que depois dessa experiência eu aprendi tanto...
- Imagina...uau, mas que bom que você está bem, né? Recuperação rápida!
- Quase morri. E quase morrer é uma sensação muito louca. Na verdade eu acho que morri mesmo, porque agora sou outro. Você tá indo pro metrô?

De repente, ela sentiu ternura por aquele homem. Como se compartilhar um milimetro de intimidade tivesse o poder de tornar as pessoas subitamente interessantes.

Em apenas quatro andares.

- Estou sim. Como você se chama mesmo?
- Luiz, prazer. Eu também to indo pro metrô. Vamos juntos?
- Vamos. Prazer. E feliz vida nova :) 

Pra quê mesmo a gente precisa de aplicativos de relacionamentos se a gente pode conhecer as pessoas no elevador?


terça-feira, 26 de setembro de 2017

amor demodê

Vivemos tempos tão desconexos que até o amor tá em baixa. Coitado, justo ele, o amor: o único que pode nos salvar desta barbárie. Eu mesma fui questionada sobre minha capacidade de amar, sobre o tamanho do meu amor. Será que é tudo isso mesmo? Será que você não tá se iludindo? Será que não tá confundindo amor com carência?

Porra, a pessoa faz Hoponopono todo santo dia pra humanidade melhorar e ainda tem que ouvir uma dessas... era pra deixar o camarada falando sozinho na mesa do bar, neam? Mas não. Pacientemente expliquei que amo sim, de todo coração. Acredite ou não, eu amo fácil. E você é fácil de amar.

Outro dia me perguntaram se eu ainda amo o pai do meu filho. Eu disse que sim, que amava ele como amo qualquer outro ser humano. Que não desejo vê-lo sofrer, que quero vê-lo feliz. "Mas o cara só faz cagada, como você ainda o ama?". Vou fazer o quê? Odiá-lo vai ajudar?

E tem o Prem Baba abraçando o Prefeitop, né? Esse foi o ato de amor mais incompreendido das redes sociais dos últimos dias. A esquerdofobia taca-lhe pau no Baba - que só faz pregar amor. Se o cara prega amor, ele precisa ser coerente e amar sem distinção, certo? O que ele deveria fazer, cuspir na cara do Doria? "Ele podia simplesmente não fazer aquela foto", dirão alguns. "Porque a Dilma ele nunca abraçou, blablabla". Como líder espiritual, o Baba tem que abraçar o prefeito. Ele tem que abraçar até o Trump, se rolar. Isso não significa que ele goste do cara, que ele concorde com o cara, que ele assine embaixo do que o cara faz. Significa apenas (neste contexto isolado) que ele tá sendo coerente e espalhando amor. O Prem Baba é um cara de uma vibração espiritual muito elevada. Pra quem acredita, estar na presença dele é uma oportunidade. Que bom que o Doria teve essa oportunidade, quem sabe ele não melhora um pouquinho?

Amar tá confuso, como todo o resto. Amor não tem nada a ver com sexo, com gênero, não tem nada a ver com desejo, com poder, com política (e tem tudo a ver com tudo isso ao mesmo tempo). Mas acima de tudo, amar tem a ver com compaixão. Estar ao lado de um ser humano que você supostamente despreza e se dispor a abraça-lo é o maior ato de amor que podemos ter. Explicar pra um homem que te questiona sobre o tanto que você o ama, é um grande ato de compaixão. Sentir gratidão e neutralidade pelo pai do seu filho que só faz cagada: é amor.

Deixem o amor viver. Deixem o amor crescer.
#maisamorporfavor


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

era ela, era eu

Era uma tarde qualquer. Ela entrou no vagão, não reparei bem em qual estação. Logo me chamou atenção sua barriga empinada, 8 meses, talvez mais. Linda. De relance, me lembrei da minha saudosa gravidez. Fitei aquele barrigão por alguns instantes, cheguei até a sorrir. Realmente estar grávida é um estado de graça - pensei. 

Então olhei para ela toda. Morena, bonita, altiva. Romantizei naquela aparência a felicidade daquela mulher. Mas então percebi que sob os óculos escuros escorria uma lágima. E depois outra. Meu coração apertou. Me levantei e fui me esgueirando por entre os passageiros distraídos. Cheguei ao seu lado, muito próxima mesmo, e a abracei. Sem pedir licença, simplesmente a abracei. 

Como quem estava esperando aquele abraço, ela retribuiu. E soluçou. 

- Vamos descer na próxima estação para conversar um pouco?
Ela acenou que sim com a cabeça. 

Descemos do trem juntas. Ela me agradeceu. E nos abraçamos mais. Janaina estava com 33 semanas. Seu choro angustiado me dizia muito mais do que qualquer história que ela pudesse me contar. Eu sentia que ali havia uma solidão conhecida.

- Sabe, o pai do meu filho... ele é uma boa pessoa, mas ele não entende o que está acontecendo. Ele me faz promessas vazias. Ele não me ajuda em nada. Como estou cansada, como estou cansada! Eu estou tão feliz, mas tão cansada. E como vai ser quando o neném nascer?

Meu coração já pulsava na garganta. "Sim, querida, sim. Te entendo", eu dizia. Janaina era, como eu, vítima de um abandono gestacional. E olhando bem firme dentro de seus olhos falei: "Presta atenção: agora é você e o bebê! Você não pode contar com esse cara pra nada. Não fique nesta ilusão". 

Foi um baque pra ela. Como uma desconhecida no metrô me abraça, me consola, me acolhe e me diz algo tão duro assim? Falei do meu sofrimento, de como o superei, de como é bom ter um filho companheiro. Ela me ouviu. Silenciamos. Seus olhos já estavam mais serenos e muito agradecidos. 

- Muito obrigada. Você mudou meu dia. Na verdade, você mudou muito mais que o meu dia. 

Nos abraçamos de novo em despedida. Janaina entrou no trem. Eu fiquei ali, desaguando toda a dor daquele encontro de cura. E depois subi as escadas, com um ar de dignidade que há muito tempo não sentia.

Que nós mulheres possamos nos unir e nos ajudar, com coragem, sempre e mais.

E que a gente entenda que não dá pra abraçar o mundo.
Mas dá pra abraçar algumas pessoas e fazer a diferença. 
Clarissa Corrêa



segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Comunica(dor)

Estou com muita dor. Pensei que talvez não fosse um bom momento para escrever. Mas é das dores que nascem as curas, e está sendo lindo ver isso brotar do meu corpo, da minha garganta. Arde, arranha, dói, inflamada como um vulcão.

A garganta, canal da minha comunicação: ao mesmo tempo minha fortaleza e o lugar onde me sinto tão vulnerável. Se lanço flechas, ferem. Se não lanço, o silêncio fere a mim. Profundamente. A não-resposta. A garganta (sempre ela) pigarreia para não deixar sair. Fingir não se importar nunca funcionou pra me apaziguar. Não guardo mágoas, mas as migalhas - aquelas que insistimos em não varrer - incomodam.

Já lancei muitas flechas. Já feri muito. Hoje prefiro resguardar as relações. Aguardo com paciência a sabedoria do tempo para acessar o que não falei. E o que devia ter falado. Será que devia ter falado? O que é de fato relevante? Aguardo e guardo ainda a um alto custo. Porque eu gosto mesmo é de varrer migalhas - e não para debaixo do tapete. Gosto de tudo "bem limpinho e arrumadinho", como diria alguém que eu conheço. Não deixo pra lá. Sabe-se lá onde é este "pra lá", vai que ele aparece de novo aqui - e via de regra aparece.

Então firmo aqui essa comunicação amorosa, diretamente do coração. O que eu tenho pra te falar vai te trazer curas. O que eu ouvir de você também. Vamos abrir este espaço saudável de crescimento e verdade. Verdade sempre.