sábado, 26 de novembro de 2011

o peixe de manhazinha

O pé saiu do lençol macio e não reconheceu o chão quente de madeira. Pisando leve como uma garça, trocou de shorts ainda com os olhos entreabertos. Qualquer passo move a casa toda, é preciso pisar em ovos pra não acordar o peixe. O peixe. Dormia num sossego de dar inveja. Na noite anterior, se exibia com volteios em seu pequeno aquário, abrindo as guelras e brilhando à luz da lanterna. Ela observava fascinada, não tinham sido apresentados assim tão de perto. Era um peixe homônimo a ela - e parecido com ela. Muito colorido, muito exibido, muito briguento e, ao mesmo tempo, muito delicado. A natureza espelhando nossas personalidades...

O (gesto do) peixe a comoveu: seu nado gentil, cortejo suave espanando seu véu furtacor. Então ele dormia enquanto a luz da manha começava a penetrar a casa - ele gostava de dormir no escuro. Ela se despediu. Deixou bilhete rascunhado de sono interrompido e foi distribuir bons dias.

Hoje o dia amanheceu azul.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

(des)gosto

Escolhi minha profissão de formação com muita calma. Sou privilegiada: fiquei passeando pela Europa e pensando no que fazer da vida. Tive apoio incondicional dos meus pais quando decidi que jornalismo era o que mais se aproximava do que eu amava: comunicação. Estudei com a crème de la crème dos que agora são "formadores de opinião" da sociedade em que vivo. A sala de aula foi importante, claro, mas muita serramalte gelada regava as melhores reflexões que brotavam das aulas do Faro, do Silvio Mieli, da Sandra Rosa. Sinto saudades desta época em que eu ainda acreditava num jornalismo possível. Minha carreira como jornalista foi curta e dolorosa. Curta porque dolorosa e dolorosa porque curta. Foi mais forte do que eu verificar que o jornalismo não era nada do que eu sonhava, era apenas mais um jogo sujo de poder, uma batalha de egos de quem decide o que vai na capa de não sei onde pra prejudicar ou privilegiar fulano ou sicrano. O que me doía era que muitos dos jornalistas que me cercavam não se valiam do verdadeiro poder que têm em mãos, mas se submetiam à chefia, escrevendo matérias enlatadas, sem espaço para reflexão ou crítica. O que me dava desgosto profundo era ver que grande parte dos meus colegas se achava super cool, ligando-se ao status ilusório que esta profissão carrega, cultivando olheiras como troféus. Assim, optei por me afastar completamente do jornalismo. De leitora assídua, hoje posso dizer que mal leio o jornal e, quando leio, me dá dor de estômago. TV então, não assisto há mais de anos... E eu nem sei mais pra onde esse texto tá indo, acho que ele já tem vida própria. Estou falando de uma coisa muito importante e cara para mim e os sentimentos se confundem... a verdade é que eu gostaria de ter sido mais forte e não ter abandonado o jornalismo, mas foi uma opção pela vida. Acho que os que se mantém jornalistas hoje em dia, por idealismo, são comparáveis a professores ou médicos: é por amor ao ser humano, por de fato acreditar que escrever, proferir, registrar algo diferente pode gerar a mudança. Estes são muito mais do que jornalistas: são comunicadores. E isso eu posso dizer com certeza, deixar de ser jornalista foi tão libertador que me tornei uma comunicadora. O gosto amargo de uma mídia corrompida ainda permanece, mas sei que somos muitos do lado de cá, acordando todos os dias para causar no mundo.

domingo, 20 de novembro de 2011

ressalvas

Às vezes desejaria olhar pra vida com menos subjetividade. Estou de plantão quase o tempo todo, na vigília. O coração desafina um pouco cada vez que falta doçura: quer transbordar, mas se contém - por medo ou indiferença. O medo dá pra enfrentar, mas a indiferença é um muro intransponível, como achocolatado insolúvel. O que leva as pessoas a se amarem com tantas ressalvas? Porque certo é que se ama, mas há tantos poréns que já não sei se virou moda ou desculpa ou o quê.
Dia atrás participei de um casamento desses de sonho. Casamentos me emocionam. Acho que isso é meio clichê, mas de fato não vou a muitos casamentos na minha vida e quando vou, me emociono demais. Porque selar o amor daquele jeito é especial: você realmente acredita que vai durar pra sempre. É muito grande, exige coragem nos tempos que correm. Durante a cerimônia, enquanto o céu arroxeava por trás dos Dois Irmãos, uma quantidade sem fim de sensações boas afloraram. O coração explodia de calma, união, felicidade, gratidão, desejos de bem querer até pelos menos queridos. Quem sabe isso quer dizer amor... sem ressalvas e sem indiferença.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

as aranhas também amam

Aprendi a conviver pacificamente com os insetos - exceto as baratas, que ainda me tiram do sério, mas por sorte não há muitas por aqui. Há alguns meses, vivem umas aranhas no meu banheiro, eram pequenas e muitas, viraram grandes e apenas três. Ontem, escovando os dentes, uma delas estava bem próxima ao espelho, então assoprei pra ela se mudar, afinal tudo bem conviver, mas não precisa ser tão de perto! Fui assoprando e ela foi se movendo rumo ao teto, onde estava a outra, coladinha na sua teia. Foi subindo, subindo, até chegar na teia da amiga. Começaram a mover freneticamente as patinhas, talvez por pouco mais de um minuto; para mim parecia mesmo que estavam numa briga danada. E de repente, puft: uma delas fez uma manobra alucinante e colou na outra. Eu, na minha atividade corriqueira de escovação de dentes, olhei incrédula: será que era mesmo o que eu estava pensando?!
Alguns segundos de pausa e logo os artrópodes iniciaram movimentos repetitivos de encaixe. Ah, a natureza: imprevisível e simplismente natural... Eu, pra provocar, dei mais umas assopradas, enquanto a aranha "de cima" movia a extremidade do corpo, tentando se ajustar à parceira, em um movimento muito humano!!
Fiquei impressionada. Não foi só a curiosidade de assistir uma cópula de aracnídeos pela primeira vez na vida, mas sobretudo me tocou perceber que, às vezes, basta um empurraõzinho (ou uma assopradinha...) pras coisas acontecerem! Né mesmo?!?

domingo, 6 de novembro de 2011

roupagem nova

Fiz um pacto comigo mesma: vou passar um dia sem reclamar. Um dia inteirinho, 24 horas, proibida de falar qualquer coisa que seja em tom de queixa, desde "nossa, que calor", até "ai, que dor". Ao meu redor, pessoas reclamam de absolutamente tudo e estou ficando contaminada por esse vício horrível. Quero sentir verdadeiramente o quão sortuda e abençoada eu sou por ter tanta saúde, amor, amigos, trabalho, integridade, felicidade. Felicidade, aliás, é só questão de ser - canta o Jeneci. Quero perceber, na prática, quanto estou reclamando à toa, chorando de barriga cheia, só pra entrar na onda. Quero mais silêncio e reflexâo, menos palavras soltas ao vento sem razão. Quero ser mais Pollyana e, quando alguém vier queixoso, ter a paciência e a sabedoria de apontar para o copo meio cheio. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e se as coisas não estão como desejamos, é porque não desejamos direito. Temos o poder e a força de mudar o rumo, vestir uma roupa colorida e sair por aí aproveitando o sol, o calor, o vento ou a chuva.
O que vier é pra ser vivido. Feliz(mente).