terça-feira, 28 de junho de 2011

burgovanguardistas

Ele, administrador de empresas - na verdade cineasta frustrado. Ela, recém chegada de Harvard. Alugam apartamento espaçoso no centro da cidade: edifício Hortência. Decoração minimalista. Do cubo branco ela sabe falar, apesar de nunca ter lido Rosalind Krauss. Sobre o chão de mármore da sua casa-conceito, espalham despretenciosamente exemplares do New York Times e Der Spiegel. Imagem é tudo, aprenderam em Harvard.

Do outro lado da cidade, planejam ter gêmeos. Ele engenheiro, ela empresária. Mas... como? Planejar ter gêmeos?! Sim, acreditam que hoje tudo se resolve com dinheiro e remédios. Até a vida.

Noutra manhã, um cineasta batiza a filha na igreja, com direito a padre, água benta e tudo. Artistas, cinegrafistas, produtores, todos os "amigos" presentes, mas desconfortáveis: coisa mais demodê batizar a filha na igreja, pelamor, hein?!

Tem também um encontro deslocado do tempo e espaço convencionais, sem logica, sem razão num apartamento cool na zona oeste com vista extensa sobre a cidade molhada. Ele, que enxerga tantos pela sua lente - bichos e gente - não consegue parar de falar de si. Ela só queria contar que vai finalmente fazer uma tatuagem, mas não conseguiu.

Enquanto isso, tomamos vinho nesta noite muito fria em que imagem é quase nada e damos muita risada de todas as imagens. Como diria Alice Ruiz, somos vanguarditas, pois extremamente contemporâneas.

sábado, 11 de junho de 2011

estrangeira de lugar nenhum

Aqui é um pouco terra de ninguém, mas todos se sentem muito daqui. Aqui é uma ilha, então o sentimento de pertecer é diferente do que em qualquer outro lugar, acredite. Ou você pertence, ou você vaza. Dizem que, quando bem vindo, a ilha te engole. E que ela mesmo se encarrega de te cuspir quando não for mais pra você ficar. Dizem também que cada um tem "seu tempo" de ilha: quando der a sua hora, você irá em paz, sem a sensação de que deixou algo pra trás.

As pessoas se referem ao continente como "lá fora". Hoje me perguntaram: "onde você mora mesmo?". Eu respondi "No Trinta". "Nããão, eu quis dizer onde você mora de verdade... lá fora!".

Ah, tá. "É que eu moro aqui agora, entende? Mas eu nasci em São Paulo".

Satisfeito com a resposta, sem querer mais filosofar, calou-se. Mas dentro de mim ficou a sensação forte de pertencer.
Eu não sou estrangeira.
E moro aqui.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

por hoje, é só

"O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia".

Guimarães Rosa

domingo, 5 de junho de 2011

disconnection

Minha vontade, neste momento, é dizer tudo aquilo que não disse, de uma vez só, num jorro. Minha vontade é ser agressiva, ferina, usar da minha ironia e do meu sarcasmo pra te fazer sentir um grão de areia. Minha vontade é que você reconheça minha raiva, mesmo que pra isso eu tenha que gritar e te xingar. Não me importo mais com seus conceitos sobre mim e não quero mais me esforçar para que sejam bons. Não, não sou uma pessoa maravilhosa, você se enganou. Redondamente. Aliás, essa história toda é um engano, desde o primeiro segundo. Então estou na dúvida: se utilizo esse método cartesiano, assim as coisas ficam bem explicadinhas e sem brecha para repescagem, ou se coloco meu coração à disposição, como fiz até hoje, para nos conduzir ao entendimento mútuo de que essa história está uma merda. Pego na sua mão, te olho com ternura e compreensão (como fiz até hoje, repetindo), e te pergunto: "você acha que as coisas estão legais?", "Você acha que seu comportamento tem sido adequado, coerente e equilibrado?". Tento estabelecer com você um diálogo e no final nos olhamos com aquela sensação de "puxa, que pena, poderia ser tão legal...". Mas não é. Eu não estou ficando louca, já vivi coisas legais, sei o sabor que elas têm - e certamente não é esse. Agora chegou o momento de usar uma boa dose de racionalidade, deixar de lado os sentimentos, os medos, as boas lembranças para se conectar com a razão das coisas. E me desconectar de você.

sábado, 4 de junho de 2011

lealdade

Ando com dor de barriga frequente. É a dor do medo. Vem da ideia de você não vir, não chegar, não confirmar, não aparecer, não me priorizar, não me ligar. Na cabeça resolvo tudo: sei perfeitamente o que devo fazer. Mas meu corpo não responde. Se deixa tomar pelas emoções e fica totalmente entregue. vulnerável. Não consigo enganá-lo. É como se eu já conhecesse o desfecho, mas não quero aceitar. Não quero aceitar que tantos impasses sinalizem a morte já anunciada. É mais bonita a ilusão de que eles servem para nos fortalecer, para criar bases sólidas para um “nós” que não existe. Mas ilusões são traiçoeiras, assim como as verdades homeopáticas. Preferia receber um tapa na cara bem ardido, do que carregar essa dor de barriga constante. Lembro sempre do Dario cantando "Lealdade" pra mim, olhando bem fundo nos meus olhos. "Serei leal contigo, quando eu cansar dos teus beijos, te digo. E tu também liberdade terás, pra quando quiseres bater a porta sem olhar pra trás. Quando os teus olhos cansarem dos meus olhos, e o teu sorriso cansar da minha voz. Quando o teu corpo tiver cansado dos meus braços não é preciso haver falsidade entre nós".

Por favor, seja, apenas, leal.