domingo, 31 de julho de 2011

telefonema

Noite passada tivemos uma conversa de nunca acabar. Você me contava estórias deliciosas da sua infância. De viagens, do seu avô. Você estava fanho e tomando chá de alho pra curar a gripe (e a ressaca). Aí você pediu pra eu cantar pra você. Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida. Nós na batida, no embalo da rede, matando a sede na saliva.

...e você não parava de repetir – que linda, que linda! Me disse que estava chegando, que eu não devia me preocupar, pois tudo chega no tempo certo. Eu suspirei de leve, tentando não deixar você perceber que para mim chegadas são na verdade partidas e que nada nem ninguém chega pra ficar. As pessoas tão de passagem, eu disse. Não, eu vou pra ficar! – você respondeu.

Tudo que eu vejo ao meu lado, tudo que eu sonho, vai entrar no coração.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

vê se me esquece

Se você soubesse quem é Itamar Assumpção ou Alice Ruiz, eu ia cantar pra você aquela música deles. Ia ser mais engraçado, mais sutil, mais elegante. Mas como eu já perdi a esportiva e imagino que no seu universo limitado não haja espaço pra poesia, prefiro te mandar diretamente pro quinto dos infernos. A puta que te pariu também pode ser um bom lugar pra você ir. Ou pra casa do caralho. Enfim, perto de mim é que eu não te quero. Tô muito possessa da minha vida: você não tem o direito de se aproximar de mim, não te dei essa liberdade. Como se já não bastasse seu truque sujo, seu caráter questionável, sua aparência dúbia. Tenho pena da sua insegurança e da sua mediocridade. Por favor, respeite meu espaço, pois eu respeito o seu. E dê-me respeito, porque eu não sou da sua laia.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

estado civil: noronha

Moro em uma vila de três mil e quinhentos habitantes. Esta vila se divide em três tribos: locais (ilhéus), estrangeiros (haules) e turistas. É triste e engraçado ao mesmo tempo, porque mesmo num universo tão pequeno em que praia e balada são lugares democráticos onde todos se encontram (com pouca roupa, é bom que se diga...), os guetos continuam existindo, determinados, obviamente pelo nível sócio-econômico e cultural de cada pessoa. E, como bons "homens cordiais" que somos, aprendemos que segregar na cara dura é muito feio, mas também não nos misturamos nem a pau - pode crer!

Um detalhe importante é que em qualquer uma das tribos, o número de cromossomos XY é imensamente superior ao de XX. Pra quem faltou nas aulas de biologia, simplifico: há muito mais homens do que mulheres - o que, no meu entender, gera um descompasso hormonal em todos os níveis. As mulheres ficam insuportavelmente competitivas para abocanhar a parte mais suculenta do boi, além de alvoraçadas e açanhadíssimas, pois são cobiçadas sem pausa por predadores sedentos. E os homens perdem a noção, porque na falta, qualquer coisa serve (simples assim, como só a alma masculina sabe ser!).

Mas voltando ao começo (porque eu adoro ziguezaguear pelos assuntos), eu faço parte da tribo dos haules. Diria, chutando, que são uns mil individuos desta espécie, talvez menos. Todos se conhecem, convivem, se encontram com frequência e, eventualmente, se envolvem. E como já foi dito, não se misturam. Conclusão? A troca de casais é uma prática ordinária desta tribo, sem muitos critérios ou regras. É meio um vale tudo de deixar qualquer Contigo! no chinelo... Aliás, eu diria que tá mais pra Ilha de Caras (perdoem o trocadinho infame, hehe).

Eu não sei se é certo ou errado e nem pretendo julgar com este olhar.
A gente perde um pouco esses parâmetros aqui, porque a lei da sobrevivência fala mais alto. Mas o fato é que valores eu não perco: sei bem quando impera a falta de respeito, quando o carinho e o cuidado com o outro são só substantivos vazios, quando se quebra a confiança de uma maneira tão brusca que é impossível recuperá-la. E isso é muito triste, porque a tribo continua tendo mil indivíduos que se conhecem, convivem... mas aparentemente se encontram apenas no tamanho da sua solidão.

Estado civil: Noronha.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

vento bom

Parece que já se passaram alguns meses desde a minha volta. O retorno de saturno dando as caras de novo, com tudo. Pequenos terremotos internos, um novo módulo, um novo amor, uma nova companhia de quarto, um novo armário... O mar está mais frio, o sol mais fraco, o céu enevoado. E o vento sopra forte, dia e noite, parece querer abalar minhas verdades. Então, quando acho que não tenho mais onde me escorar, ele muda de direção, levantando poeira, deixando uma bagunça danada do lado de dentro, como quem diz: “tudo não passa de uma rajada, não há o que temer”.

Apesar do nó na garganta, sigo firme, inspirando fundo a noite clara. Abro os braços ao caminhar, para receber suas rajadas de peito aberto. Por mais que doa, sei que a qualquer momento pode mudar de direção e soprar a meu favor. E não vai demorar.

"Viração, virando vai
Olha o vento, a embarcação
Minha jangada não é navio não
Não é vapor nem avião
Mas carrega muito amor dentro do seu coração".
[Corrida de Jangada]

domingo, 10 de julho de 2011

eu to cansada

Sempre desconfiei dos quietinhos. Dos bonzinhos, nem se fale... Têm uma mania de enxergar o mundo com óculos maniqueísta: falta-lhes a compreensão de que somos seres duais, bons E maus, que amam E odeiam, que explodem E se recolhem, como na natureza as flores, as marés. Nos últimos anos, tenho feito imersões profundas em mim mesma para tentar ser mais quietinha e mais boazinha, sempre mantendo minha essência. E devo dizer que consegui avanços consideráveis. Honro muito essas conquistas. Herdei da mãe um temperamento explosivo, do pai uma visão demasiadamente realista da vida, e agora finalmente sinto um encontro comigo, com quem eu sou. E eu não sou nada fácil, não me iludo. Mas quem é fácil, afinal?!? Os bonzinhos??? Os quietinhos??? Por que eles são "mais fáceis" do que eu?

Tô meio cansada. Vejo e sinto minha evolução, mas sou continuamente julgada pelo que ainda não evolui, como se já não bastasse o peso da minha própria cobrança. Tô cansada, porque apesar de mais boazinha e mais quietinha, continuo incomodando demais. Meu limite não é reconhecido, meu esforço não é reconhecido. To cansada de demonstrar tanta disponibilidade e ainda assim ter que me esforçar pra ler nas entrelinhas dos bonzinhos. E fico pensando se tô tão enganada assim sobre quem eu sou e como eu ajo... acho que não, né?! Deve ser só cansaço mesmo.

Good night. And good luck.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

a praça dos sonhos

Eu não sei como funciona a vida para os que não sonham, mas deve ser muito chata. Eu sonho demais e muitos dos meus sonhos se tornam realidade material e concreta em frente aos meus olhos. Quando isso acontece, uma sensação de imenso prazer me invade, meu corpo formiga, não consigo (nem quero) esconder sorrisos. Aqui em Fernando de Noronha, um grupo de pessoas (eu incluída) está trabalhando num projeto de resgate de uma feira de artesanato que há 12 anos não acontece. Estamos reunindo os artesãos da ilha, trabalhando com seus sonhos, suas visões de futuro, seus desejos. Bonito de ver. Além de valorizar a arte e os produtos locais com um viés de sustentabilidade (escolhido por nós), pretendemos que esta feira se transforme num espaço de encontro para a comunidade, onde todos possam se sentir em casa, acolhidos por um clima de entusiasmo, encantamento, inspiração. A feira tem acontecido e tem sido um sucesso, mas é claro: estamos encontrando diversas pedras no caminho. Faz parte. Bate aquele desânimo, vontade de desistir, me pergunto porque eu sempre me meto nessas pra me matar de trabalhar... me desgasto... e no final, sobra o quê?!

Há algumas semanas, decidimos dar uma pausa no evento para avaliar o processo, melhorar de fato o que precisa ser melhorado e resolver algumas questões pontuais dentro do grupo organizador. Noutra noite, caminhando solta pela brisa, passei em frente à praça onde a feira ocorre. A praça não sofreu nenhuma interferência estrutural significativa: apenas uma grande luz verde foi instalada no topo de um coqueiro. Bastou isso. O que pude ver? A mesma praça iluminada por uma lâmpada verde?? Não. O que eu vi foi meu sonho se tornando realidade, ali, aos poucos, muito sutilmente. Crianças brincando de pega-pega, jovens senhoras conversando e rindo da vida, pessoas caminhando e curtindo o barato de ter uma luz verde iluminando a praça que antes servia de estacionamento. Essa cena boba e corriqueira me fez sorrir e pensar que as coisas são muito mais simples do que imaginamos. E que tudo parece pequeno quando já passou. Então, em resposta à minha pergunta: resta o sonho. E isso não é pouco não.