quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

desejo

"E eu tenho vontade de segurar seu rosto e ordenar que você seja esperto e jamais me perca e seja feliz. E que entenda que temos tudo o que duas pessoas precisam para ser feliz: a gente dá muitas risadas juntos. A gente admira o outro desde o dedinho do pé até onde cada um chegou sozinho. A gente acha que o mundo está maluco e sonha com sonos jamais despertados antes do meio-dia. A gente tem certeza de que nenhum perfume do mundo é melhor do que a nuca do outro no final do dia. A gente se reconheceu de longa data quando se viu pela primeira vez na vida."

[Tati Bernardi]

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

azul

Então lá estava eu, novamente, toda paramentada como uma astronauta pra visitar as profundezas do oceano. O mar estava especialmente generoso, o instrutor especialmente inspirado, a companhia especialmente especial. Caímos num ponto corriqueiro, mas a emoção tinha sabor de novidade. E como na natureza cada dia é um dia novo, nada nunca é igual. Cardumes imensos de sargentinhos, xaréus, xiras, piraúnas... um desfile do coloridíssimo ciliares, dois frades brincalhões, tartarugas, tubarões... lagostas, lagostins, corais multi-coloridos. Pequenas cavernas, azul, azul, azul brilhante. E me peguei filmando visualmente cenas lindas pra cobrir seu roteiro tão singelo; ou talvez nosso roteiro imaginado, na ânsia de preenchê-lo com cenas nunca vividas. Minha mente entrou em estado de pausa, deslizando com a correnteza para além. Fui revendo tudo o que se passou. REC: mão espalmada sobre sua camisa branca numa noite linda de celebração "oi, você mora aqui?"; conversas às avessas; carona; peixe de manhazinha; ardor; olhares; cafés da manhã; cartas ao vento; espera; muita espera; mais espera; intuição: STOP. PLAY: o mar estava realmente esplêndido, ou fui eu que acordei com os olhos superlativos, enxergando mais suculências nessa minha vidinha nada cotidiana.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

o ovo e a galinha

Entre todos, este é de longe o conto mais hermético e fantástico da Clarice. Já reli várias vezes, assisti a linda adaptação pra teatro da Vanessa... e a cada revisitada, novas belezas surgem dele, imagens recheadas de significados. O ovo é mesmo uma coisa impressionante!! Uma das coisas mais privadas do mundo, é, provavelmente, um ovo antes de ser quebrado. Eu agora moro entre dois galinheiros. Um pertence ao vizinho do lado esquerdo e o outro, ao do lado direito. Todas as manhãs, acordo com o galo cantando alto, muito alto - bem melhor do que o brega do vizinho anterior, fato. Vez por outra, me pego curiosa observando o comportamento das galinhas. Entendi muita coisa sobre elas, e sobre as expressões que usamos, como "essa mulher é uma galinha", "briga de galinheiro", "gritando que nem uma galinha", "mãe galinha" etc. Reinava um silêncio absoluto até que duas bípedes começaram a brigar. Foi tanto cocorocó que eu fui até o quintal espiar. Duas galinhas se enfrentavam com bicadas, dando voadelas. A grande surpresa foi que o galinheiro inteiro se uniu em coro, cacarejando sem parar e num volume impressionante, como se estivessem torcendo para uma vencedora. Esta cena durou muito tempo. Descobri que no galinheiro a briga é feia... eu, hein!? Já ontem, estava lendo na rede e vi um teju (grande lagarto) rastejando para dentro do outro galinheiro, que estava em paz divina. "Vixe", pensei, "já eram os ovinhos caipiras que eu ia ganhar do vizinho...". As madames galinhas, empoleiradas mães zelosas, ou são muito sonsas ou se fizeram de estátua pra despistar o teju: nem um pio. Até que ele comeu todos os ovos que estavam ao seu alcance! E foi ele sair do galinheiro que a mãe "roubada" (suponho) começou a gritar de desespero. Um cacarejar-pedido-de-socorro ensurdecedor, contínuo e monotom. Minutos a fiooooo. Realmente, essa mãe é um escândalo, pensei comigo. .

O Ovo e a Galinha - de Clarice Lispector from Teatro Para Alguém on Vimeo.

"O ovo é o grande sacrifício da galinha. O ovo é a cruz que a galinha carrega na vida. O ovo é o sonho inatingível da galinha. A galinha ama o ovo. Ela não sabe que existe o ovo. Se soubesse que tem em si mesma o ovo, perderia o estado de galinha. Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte." [Clarice Lispector, in Felicidade Clandestina]

domingo, 12 de fevereiro de 2012

sinto muito

Por favor, toque com gentileza. Eu sou flor que se cheire. E quero ser cheirada, e que meu cheiro seja lembrado. Eu sinto muito. Sinto felicidade, dor, amor, um milhar de sentimentos. Sinto o que está no ar e nem foi respirado ainda - e sinto muito pelos que sentem pouco. Acho que acabo sentindo um pouco por eles, de tanto que eu sinto. Eu tenho vários defeitos, como qualquer um. Sentir muito pode ser um deles, dependendo do ponto de vista. Apesar de todo sentimento, sou controladora e racionalizo processos que até mesmo eu duvidaria se não me conhecesse tão bem, se não tivesse consciência do que nossa mente é capaz de fazer com o poder que atribuímos a ela. Eu sei. Mas eu também fraquejo. E então uso deliberadamente todos os subterfúgios que tenho à disposição para que as coisas saiam como eu quero. Ainda assim, a vida me escapa por entre os dedos, e então percebo (de novo e de novo) que nada, NADA pode ser controlado, previsto, escrito. O próximo momento é uma ilusão e a vida é impermanência pura. Por isso, quero seguir sentindo cada vez mais: porque a razão é limitada e forjada por uma mente voluntariosa. Sentimento brota do centro, naturalmente, como a flor que desabrocha depois da chuva. Sentimento é atemporal e real. É só deixar sentir.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

morna

Estou vazia. É uma sensação curiosa, como se finalmente estivesse sobrando espaço pra nada, pra ninguém, espaço pra nenhuma expectativa, só vazio criativo. Aqui na varanda da casinha mais gostosa com que um dia tive o privilégio de sonhar, a lua gigante manda recado de novo ciclo. Apesar do cansaço, não tenho vontade nem de dormir. Quero viver cada gota. Meu sangue italiano ferve, depois esfria, depois amorna. Morna é a temperatura da ternura. Então minha pele se enternece, fica macia pro seu aconchego. Fico amortecida, como se não fosse mais doer a queda. Mas dói, porque nunca é igual. Porque eu nunca estou preparada pro pior, estou sempre desarmada, no fundo sou uma romântica desprovida de táticas para jogar esse jogo que me afasta do que é essencial: o amor. Só estou disponível inteira. Ao contrário do que eu pensava, versão Beta não é para testes. Não é provisória, mas definitiva. Sempre por ser melhorada, claro, mas já pronta para o uso. 100% de mim. Meu sangue ferve e me faz lembrar de que estou muito viva, e isso é bom. Mas você tem razão: ter mais calma vai ser melhor para mim, este é um ajuste necessário que estou fazendo por ninguém, senão por mim mesma. Obrigada por assoprar isso no meu ouvido. Ouço atenta e cuidadosamente cada recado. Um dia escrevi que sou um mosaico enorme, formada por pecinhas deixadas por cada pessoa que passou pela minha vida. É isso: você já está. Seu lugar no meu mosaico está garantido.