domingo, 22 de fevereiro de 2009

aeroporto

Um aeroporto é realmente uma fauna, um laboratório de tipos humanos, de amostragens e olhares sobre esta espécie tão diversa. É um ambiente alegre por excelência. Sim, é verdade, despedidas acompanhadas de lágrimas não são incomuns em portões de embarque, mas até essa melancolia é de uma alegria bela. E é um lugar de muita excitação: inevitável a euforia nos olhos dos passageiros, ansiosos por partir e chegar. Desde pequena acho que o avião é uma grande maravilha. Eu partia de São Paulo, comia, dormia, e acordava em Roma, em outro horário, com outro clima e com uma tia querida me esperando. Para mim, aquele acontecimento era mágico. E continua sendo.
Logo se percebe, em um aeroporto, quem é aquele que tem a mala como seu segundo lar, já virou um brother da atendente do café, cumprimenta a vendedora da LaSelva. Evidente também é aquele que está perdido entre os terminais, andando de um lado pro outro feito barata tonta, suando frio com medo de perder a hora e embalando as malas em magipack para não estragar. Mais raiva me dão aquelas moças magras, muito magras, que andam blasé pelos corredores. É lógico que elas passaram horas pensando com qual roupa viajariam, apesar de quererem parecer displicentes e despojadas, escolheram sua melhor calça jeans e deram um jeito de despachar todos os seus milhões de pertences dentro de uma única mala, para a bagagem de mão não fosse nada além daquela bela bolsa de couro, charmosa e enorme. Que raiva! Como elas conseguem?
Privilégio é poder sentar no café do aeroporto e degustar com calma um espresso antes de embarcar. Adoro este momento de observações, de possibilidades. Um casal que se beija apaixonadamente me faz lembrar que aqui, neste café - hoje reformado, um dia houve um beijo. Um beijo loucamente arrebatador com gosto de café torrado. Na minha boca, neste instante, ele revive.
Mas essa é outra história que um dia eu conto.
Boa viagem.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

é carnaval

O que somos? Quem somos? Só podemos conceber a nossa existência através da memória. Educação, sentimentos, maneiras, gostos... contidos naquilo que chamamos de "cultura", informada pela nossa história pessoal.
O que acontece, então, quando acordamos uma manhã com a memória apagada, em branco? Como se lida com essa inclusão no mundo? Com nosso ambiente e com nós próprios?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

talento

E em meio a tudo isso, tenho ganhado presentes lindos. Novos encontros - mesmo que não presenciais, muitos carinhos, sms atenciosos. Músicas certeiras no shuffle, emails bonitos, agredecimentos, estrelinhas da minha chefe (!).
Hoje ganhei também uma resposta sensacional do meu corpo, que estava apático e sem vontade de reagir. Fiquei feliz ao ver meu rosto corado em frente ao espelho e me parabenizei por isso. No fundo, só depende de mim. E no fundo (nem lá tão no fundo assim...) eu sou primaveril. Eu gosto de carambolas, fruta solar e estrelar ao mesmo tempo. Agora estou passando por um outono frio, mas já minha primavera estará de volta, transbordando de cores e flores, cheiros e sabores. E novos amores.

Panamerican, 2004 - Milhazes

Mas o que originou este post foi outro presente que ganhei: a canção abaixo, que eu não conhecia e achei linda. É preciso talento, galera, porque ninguém é de cimento...

Eu vou dar um talento
Nesse nosso sofrimento
Que eu não aguento
Não sou de cimento
Eu aí tão fora
Você aqui tão dentro

Eu vou dar um talento
Nesse confinamento
Que eu não aguento
Não sou de cimento
Eu aí tão fora
Você aqui tão dentro

Eu vou dar um talento
Nesse nosso acabamento
Vou dar um trato nessa nossa tristeza
Eu faço rango, você põe a mesa

Eu vou dar um talento
Nesse sem cabimento
Vou dar um grau
Nesse nosso astral
Você me vem água
Eu te volto sal

(Alzira E / ArrudA)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

instruções para chorar

Peço desculpas aos leitores que não aguentam mais a minha melancolia: ela vai passar. Enquanto não passa, tenho que utilizá-la de alguma forma, para me resgatar aos poucos. Deixo-lhes um achado de leituras de dezembro. P-E-R-F-E-I-TO.

"Deixando de lado os motivos, atenhamo-nos à maneira correta de chorar, entendendo por isto um choro que não penetre no escândalo, que não insulte o sorriso com sua semelhança desajeitada e paralela. O choro médio ou comum consiste numa contração geral do rosto e um som espasmódico acompanhado de lágrimas e muco, este no fim, pois o choro acaba no momento em que a gente se assoa energicamente.

Para chorar, dirija a imaginação a você mesmo, e se isto lhe for impossível por ter adquirido o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas e nesses golfos do estreito de Magalhães nos quais não entra ninguém, nunca.

Quando o choro chegar, você cobrirá o rosto com delicadeza, usando ambas as mãos com palma para dentro. As crianças chorarão esfregando a manga do casaco na cara, e de preferência num canto do quarto. Duração média do choro, três minutos".

Julio Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas

domingo, 15 de fevereiro de 2009

o café

Estou com medo do meu coração secar. Tanta dor que não cabe mais em nenhum poro do meu corpo. Estou com medo de virar uma colecionadora de lágrimas, elas não param de cair.

Acho que ontem foi o dia mais triste da minha vida.

Um café amargo, uma água com gás. Um docinho para não perder o hábito. Assunto foi coisa que nunca nos faltou, e assim continua. Conversas de nunca terminar, conversas de se entreter a ponto de esquecer do resto, de qualquer resto, dos outros, das outras, da vida que continuou nos últimos quatro meses. Alguns silêncios entrepostos, breves espaços para a melancolia. "Sinto sua falta. Queria te falar que, apesar de todas as nossas loucuras, a gente era um casal do caralho".
Olhos mareados, antebraços sobre a mesa alcançando mãos conhecidas, nó na garganta, choro contido.
Silêncio.
Abraço de despedida. "Você foi uma mulher muito importante na minha vida, tenha certeza disso". Pretérito perfeito.

Chorei muito a caminho da casa da Tani, balbuciando em voz alta comigo mesma para me acalmar - vai passar, vai passar... Fiz bolinhos de arroz com ela, arranquei sorrisos do Oto dançando com a galinha. Fui ao teatro com o Augusto, tomei sopa no La Barca e me aconcheguei nos braços de um anjo. Apesar da vontade de morrer, olhos inchados denunciando minha dor, é injusto desejar isso. Porque a vida continua e é maravilhosa. Presente do indicativo.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

casal legal

Hoje três pessoas me perguntaram de você não soube o que responder puxa que pena vocês formavam um casal legal olhando parecia que vocês transbordavam aquele amor eterno invejável de quem vai ficar velhinho junto pois é é a vida não dá pra hipotecar o futuro como diz meu pai mas ele ainda está em cartaz não sei já disse nos separamos não nos falamos mais e não nos vemos há quatro meses puxa mas sinto muito mesmo aquela tarde no centro foi tão gostosa vocês eram um casal bem querido muitas afinidades combinavam mesmo né dava pra sentir que tinha uma conexão ali mas como é que foi acabar eu não sei explicar eu falava zê ele entendia cê cedilha acho que já não tinha mais amor mas como assim vocês estavam tão bem o que aconteceu vocês tinham uma sintonia tão boa que chato puxa sinto muito você está bem e ele está bem não sei já disse não nos falamos mais mas é estranho né muito medo de construir a felicidade não chora ai por que é que eu fui falar nisso toma uma água quer um chá calma não fica assim quer dizer fica assim sim você tem direito de ficar assim eu sei como você está se sentindo com um vazio um vácuo.

Opa, alguém sabe como eu me sinto.
tape rec rewind play. Stop.
Talvez seja hora do café.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

será que...

... a gente colhe o que a gente planta?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

cala a boca e aumenta o volume

É bem estranho ter um paredão "à la big brother" em frente à janela da minha sala, mas é divertido. Nada muito diferente nos vizinhos, em seus hábitos e loucuras. É na mesmice que está a (des)graça: perceber que nas várias caixinhas vistas pela minha janela, como se olhasse por uma luneta, as pessoas comem em frente à televisão, conversam pouco - e em frente à televisão, dormem em frente à televisão, falam ao telefone em frente à televisão. Uma vida um tanto quanto solitária e... televisiva! Uau! Deve ser emocionante. Não sei. Há anos já não assisto televisão e estou muito mais feliz. Muito. Mas muito. Às vezes, aos olhos do mundo, pareço um pouco desinformada. Fico sabendo das hard news meia hora depois, uma hora depois, pelas bocas indignadas das pessoas: "você não viuuuuu?????". Não vi. E fico pensando qual teria sido a diferença na minha vida saber daquilo 30 ou 60 minutos antes...
Notei que o casal (aquele casal legal sobre quem escrevi no post "possibilidades de futuro") também assiste muita TV. Mas pelo menos comem à mesa. E conversam. E levam amigos em casa sem ligar a dita cuja. Prefiro acreditar que eles assistam muitos filmes e seriados cools - dos quais também estou por fora. Já a gordinha solitária do andar de baixo do deles tem uma chaise e, sempre que eu olho, ela está infalivelmente jantando na compania do Lima Duarte (?). Fiquei com um pouco de pena dela ao vê-la hoje, novamentente, comendo em frente à tv. Confesso. Mas ela deve se sentir feliz fazendo isso, como eu me sinto tendo abdicado da tv. Cada um na sua. Acho fantástico e indico um livrinho bem curtinho do Bourdieu que eu li na faculdade, "Sobre a televisão". Ele diz no prólogo: "Espero que (minhas análises) possam contribuir para dar ferramentas ou armas a todos aqueles que, enquanto profissionais da imagem, lutam para que o que poderia ter se tornado um extraordinário instrumento de democracia direta não se converta em instrumento de opressão simbólica". Ele escreveu isso em 1996.
E nos últimos 13 anos, o que temos assistido?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

banhos

Levito entre a alegria e a tristeza.
Açúcar, rosas e cravos pra aquecer o coração.
Não sei sobre o que escrever hoje, já comecei quinhentas vezes, já apaguei quinhentas e uma. Estou confusa, deve ser a tpm.

Acabei de tomar um banho. Acho que só queria dizer que há poucas coisas tão boas como um banho. Banhos de chuveiro e de chuva.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

a marta mandou de lisboa

a veces pasa,

es lo que tiene ser un caracol ambulante

a veces tienes sueños,

amores, desengaños

pérdidas y muertes

que se convierten en razones

profundas y verdaderas

para poder continuar soñando y amando

porque las huellas que dejan los caracoles

que viven debajo de casas nómadas

que crecen en espiral

y que se encuentran en los caminos cruzados del mundo

son una maravilla.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

nossos corações não sabem ser leves

Todas as boas palavras estão pálidas de exaustão.
E carregadas de ironia.

Que linda essa comemoração de 15 anos da Sutil Companhia de Teatro, que trouxe novamente a SP "Não sobre o amor", peça de câmara de Felipe Hirsch e Murilo Hauser sobre a obra do russo Viktor Shklovosky e sua amada Elsa Triolet. Cenografia impagável da Daniela Thomas.

5 de fevereiro a 1º de março
Sextas-feiras e sábados
18 a 22 de março
Quarta-feira e quinta-feira
sempre às 20:00
De quinta-feira a domingo, R$10 (inteira) e R$5 (meia).
Entrada Franca às quartas-feiras.
Teatro FIESP, Av. Paulista 1313

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

a comoção de ser visto

"Porque o branco desfrutou durante três mil anos do privilégio de ver sem que o vissem; tratava-se de puro olhar, a luz dos seus olhos resgatava todas as coisas da sombra natal, a brancura da sua pele também era um olhar, de luz condensada. O homem branco, branco porque era homem, branco como o dia, branco como a verdade, como a virtude, iluminava a criação tal como uma tocha, desvendava a essência secreta e branca dos seres. O que esperáveis que acontecesse quando tirásseis a mordaça que tapava as bocas negras? Que vos entoassem louvores? As cabeças que os nosso pais tinham dobrado pela força até o chão, pensáveis, quando se reerguessem, que leríeis a adoração nos seus olhos? Ei-los em pé, os homens negros que nos olham, e faço votos para que sintais, como eu, a comoção de ser visto".
Sartre

SOSO arte contemporânea africana
Cláudia Veiga, Ihosvanny, Kiluanji, Yonamine
Avenida São João, 313
2o andar Centro São Paulo
inauguração: 05 de fev
de 06 de fevereiro a 21 de março de 2009
segunda a sexta: das 11h00 às 19h00 sábado: das 11h00 às 16h30


Yonamine, Angola, http://yonart.blogspot.com/

duas tagarelas que sabem se ouvir

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

ninguém quer ouvir

Estamos sempre preparados para falar, contar nossas mirabolantes histórias, nossas experiências mais incríveis. Temos opiniões formadas sobre a política, a crise, a Lei Rouanet, frases prontas que solucionam a fome no mundo em 30 segundos. Temos conceitos formados sobre a lógica masculina, ideias pré-concebidas do neguinho que se aproxima do retrovisor pra vender chicletes.
Estamos sempre preparados para falar. bla bla bla. Cada vez menos em contato com o silêncio. E cada vez menos atentos para a escuta. Ninguém quer ouvir nada. Nos fingimos interessados pela opinião do outro, mas queremos contradizê-la, fazer com que a nossa prevaleça - como se isso levasse a algum lugar. Pensamos estar ouvindo conselhos, mas na verdade, já estamos é pensando na resposta que vamos dar àquela frase. Estamos centrados em nós mesmos, na maior parte do tempo. E mesmo quando parece que queremos ouvir o outro, lá no fundo, no fundo mesmo, não queremos. Só ouvimos o que queremos, e o que não queremos ouvir - mas mesmo assim escutamos - nos ofende. Nos fere que o outro diga algo que não queremos ouvir. Nos ofende que ele não tenha a sensibilidade para compreender que não queríamos ouvir aquilo.
Mas falar nós queremos, sempre.
Penso em amizades frágeis que andei construindo pelo caminho. Penso na incapacidade do diálogo verdadeiro, no melindre exagerado, nas entrelinhas interpretadas e nunca esclarecidas. Não tenho medo de falar. Tenho falado cada vez menos, mas ainda demais. Muitas vezes e sem perceber, falo o que os outros não querem ouvir. Tenho buscado ouvir sempre mais, uma ponderção que aprendi com a Lou. Um exercício diário de compreensão de mim mesma. Nem sempre consigo, nem sempre tenho disposição. Mas pelo menos eu quero. Por mais difícil que seja, eu quero ouvir.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

depois da bonança vem a tempestade

Estou tão calma que é de estranhar. Uma tranquilidade mansa de quem deitou na rede à sombra depois do banho. Desconfio. Não porque eu seja puramente desconfiada, mas porque sei que essa calma é perigosa: é o prenúncio de algo muito intenso e arrebatador, como diria minha amiga mais arrebatável. Essa calma é assustadoramente boa. É boa porque segura, porque acalanta. Mas assusta porque sei que não vai durar. É demais pra mim. Preciso de um pouco de emoção, preciso me encolher de frio quando está calor para me sentir viva, passear na montanha russa dos sentimentos, do amor ao ódio, da raiva ao exercício do descontrole. Sentir o desconforto é um estranho modo doentio que encontrei para fazer sentido neste mundo.
Não aceito essa inconstância como algo natural. Ela é anômala e às vezes tenho a sensação de que vai me enlouquecer. Mesmo. De que vou virar uma daquelas louquinhas de hospício que bate as mãos contra a cabeça.
Os dias têm sido agitados, socialmente movimentados, com muitos acontecimentos importantes. Estou lotando a minha vida, colecionando histórias, costurando outras tantas e isso me faz sentir feliz. Estou fazendo diferença na vida de uma porrada de gente e deixando que essas gentes também me levem para outros lugares onde nunca estive. No fundo, aprecio essa minha capacidade meteorológica de manter a calma mesmo prevendo a próxima tempestade. E quando ela chegar, que venha!

"Não existe coisa mais triste que ter paz, e se arrepender, e se conformar, e se proteger de um amor a mais. O tempo de amor é tempo de dor. O tempo de paz não faz nem desfaz. Ah, que não seja meu o mundo onde o amor morreu".
(Vinícius de Moraes - Afrosambas)