sábado, 31 de março de 2012

devaneio parisiense

Depois de uma noite espremida numa lata de sardinha, a aeromoça joga o cafe da manha em cima da minha bandeja ainda mal aberta. Buen dia!, diz seu espanhol rascante. A boca pastosa, os olhos ardentes, a coluna em frangalhos denunciam: voce acordou do outro lado do mundo. Tinha esquecido como é linda e louca essa possibilidade! Adormeci em sao paulo, acordei em madrid, segui para paris, que me recebeu com um dia tipico de printemps - céu claro e brisa fresca. Tinha esquecido também: a cada cinco passos, um café charmoso, uma boulangerie colorida, uma lojinha desprenteciosamente linda. Bistrôs expoem seus menus suculentos escritos em giz sobre lousinhas de criança. Plat du jour: franceses saem pra rua com a chegada da primavera, sedentos por uma nesga de sol. Paris esta alegre. Pedimos uma taça de vinho na calçada. Enquanto devaneio sobre tudo isso, meio bebada de cansaço, Marie me relembra como é agradavel redescobrir sua propria cidade pelos olhos de outra pessoa. Sim, renovar o olhar é sempre precioso. Hoje a brincadeira começou.

terça-feira, 27 de março de 2012

são paulo

Eu amo você. Não, não é porque agora já não mais te habito. Eu sempre tive com você um casamento daqueles que a gente se espanca e se ama com a voracidade dos loucos. Nada saudável, por isso a escolha de me afastar de você. Mas na verdade, sinto que sempre vou te habitar. De alguma forma eu te pertenço. Porque você me oprime e me obriga a refletir sobre a minha condição, porque você me empurra pra frente, me impele aos meus múltiplos movimentos, me cobra resultados. Sua vibração é tão intensa que me assusta. Eu te amo, minha cidade maltratada, mal querida, mal aproveitada. Você acolhe a todos e seu valor salta aos olhos. Graças a tudo que você me deu até hoje, estou preparada para circular por outras vias com passos firmes, apreciar cada paisagem com olhos úmidos de curiosidade. Graças a todo os interesses que você me desperta, a todos os estímulos que me oferece, a todos os encontros e reencontros que nos proporciona, enquanto percorro suas artérias me sinto viva. Obrigada Sampa, até logo e até sempre.

quinta-feira, 22 de março de 2012

muito simples

querida, não complica: não é porque o cara te dá uma escova de dentes na primeira noite em que você dorme na casa dele, que ele está te pedindo em namoro. Ele só te deu uma escova de dentes. Não quer dormir com uma mulher com mau hálito.
Ele não é um canalha, nem esqueceu tudo de lindo que vocês viveram se, com a boca ainda quente da sua boca, afoga as mágoas em outra boca. Ele só experimentou outra boca, deu risadas com outras piadas, dançou as mesmas músicas com outras pernas. Provavelmente ele vai te dizer que não significou nada - e talvez não tenha significado mesmo.
O cara não está arrependido se, meses depois, te manda um email pedindo desculpas por tudo que te fez amargar e desejando boa viagem. Ele só está dizendo, de um jeito meio torto, que gosta de você - e que deseja boa viagem.

Mas se ele faz uma comidinha gostosa pra você, pode ter certeza de que não vai ser a macarronada que ele vai querer comer depois...

Então, veja você, a complexidade e a simplicidade são bem relativas.
Tudo é apenas uma questão de ponto de vista.

Às vezes, bem poucas vezes, eu desejaria conseguir agir como um homem.

terça-feira, 20 de março de 2012

elas estão casadas

Eu sei que de repente trinta. Saímos do país, de casa, da cidade, da terra firme em momentos diferentes, mas nunca nos separamos de fato. Somos muitas, o suficiente para fazer uma bagunça boa, fechar o bar, rir até dobrar - até passar vergonha. Perdi a conta de quantos brigadeiros de colher fizemos, de quantas vezes choramos no colo uma da outra - por homens, é claro. E depois por muitas outras razões triviais. Viajamos juntas, menos do que eu gostaria, mas nunca é tarde. Celebramos nascimentos, mortes e muitas separações. Intensamente. Brigamos, sem dúvida, porque o conflito é fundamental. Mas crescemos e nos entendemos. E, por mais maluco que tudo possa parecer, nos apoiamos. Acreditamos em nossas buscas. Então agora, de repente, como os trinta que chegaram num bater de asas, estão todas "casadas". O que era uma virou dois. A família cresceu com pessoas legais. E eu chego de longe, olho de perto, e vejo todas felizes, com brilhinho nos olhos e contando histórias, zelando pelo amor. Eu as vejo fazendo malas, fazendo planos, comprando passagens-destino-felicidade. E me sinto orgulhosa: meninas de janela que viraram mulheres incríveis. Viva o amor e a amizade. Sempre.

terça-feira, 13 de março de 2012

change the world

Porque vim não sei. Trouxe quase nada. Livros suficientes para o tempo pretendido, bastante creme hidratante e meu inseparável mat da yoga. Cheguei já pensando em voltar, mas não sei bem o que aconteceu, nem quando, nem como. Fui ficando... e lá se foi um ano fabuloso de encanto, beleza, muito mais felicidades do que dores. Um ano privilegiado de crescimento e amores. O que Noronha representa agora? Arrisco: os dias mais felizes da minha vida até hoje. Porque plenos por dentro, porque de auto conhecimento profundo, de encontro comigo mesma, de sol e lua ao mesmo tempo num céu infinito. Onde a lindeza é proporcional à aberração, onde o azul brilhante pode se transformar no breu profundo num piscar de olhos, exercita-se o desapego em igual medida ao apego máximo. Na tentativa de afinar a corda, estica-se até sua tensão-limite. Os insights são diários. E vive-se tudo com uma intensidade só suportável por mentes muito insanas como a minha. Então, nestes últimos dias de intensidade quase insuportável, tento encontrar espaço para organizar sentimentos contraditórios: necessidade louca de partir + vontade louca de ficar. Saudades já do que nem passou ainda. Saudades de tudo que não fiz, e do que fiz, de quem encontrei, e de quem só conheci, e também de quem deixei de conhecer por preconceito ou desamor. Dentre tantas mudas germinadas e plantadas, levo comigo a sementinha da mudança, mais forte do que nunca. Mudança de mim pro mundo, confiança de que o melhor ainda está por vir e de que ainda vou dizer muitas vezes - como já arrisquei dizer aqui: estes são os dias mais felizes da minha vida até hoje.

domingo, 4 de março de 2012

professores da leveza

Tenho encontrado professores muito competentes em matéria de leveza. Faltei nessa aula na escola, na faculdade e também na pós graduação, mas nunca é tarde para se aprender. Queria dar um toque para aqueles que tentam me ensinar a ser leve me dando tapas na cara: não funciona. Não adianta me abandonar no meio do caminho, endurecer, negar. Estas são atitudes que, nos piores momentos, espelham as minhas. E o espelho não é uma estratégia eficaz para uma libriana com ascendente em aquário. Preciso de leveza pra aprender a ser leve. Preciso que coloquem um balanço no meu quintal, que me façam ouvir música de criança, que tirem sarro da minha cara enquanto esbravejo, que me façam docemente perceber o quão ridículas são minhas atitudes, como é patético meu comportamento, como eu perco a vida passando ferro quente nas roupas amassadas - é necessário que eu mesma entenda que tem amassaduras que nunca vão desamassar. E tudo isso com delicadeza. Porque a visão altruísta é um ato de amor. E eu acredito que o encontro seja uma magia para nos melhorar: eu nunca mais vou ser a mesma depois de alguém ter cruzado meu caminho. Ninguém é insignificante, qualquer um agrega alguma coisa - principalmente os que nos incomodam. Então eu preciso te dizer de novo como a sua dureza me fere. Sua formalidade e sua rigidez me agridem. Porque eu tenho um pouco de dificuldade de aceitar que talvez eu não seja tão especial assim. Porque talvez você, ao contrário de mim, acredite que as pessoas apenas passem, sem deixar nada. E talvez eu seja uma dessas na sua vida. Porque talvez, pensando bem, nós sejamos mais parecidos do que eu gostaria. Você também anda buscando a leveza, só que não teve, como eu, a sorte de encontrar professores tão bons. Aulas que não se esquecem.