domingo, 11 de novembro de 2018

Uma mão cheia

Parece inacreditável que daqui a 2 dias você vai fazer 5 anos.
"Uma mão cheia", como você diz.
Quase não consigo mais te pegar no colo, você já é um menino grandão que fala gírias. Tão generoso e amoroso. E eu torço pra que este mundo não te endureça. Você sabe que os tempos são árduos. Nunca te escondo minhas lágrimas, que ultimamente têm sido frequentes. Quero que você cresça sabendo que pode chorar, que mostrar suas fragilidades não te torna fraco, pelo contrário. Desejo que você possa manifestar suas tristezas sem vergonha e que não tenha medo de sofrer. Por isso não te poupo do meu sofrimento. Para que a dor não seja um tabu.

Tenho tentado te mostrar que você é 100% responsável pelas suas escolhas. E que cada escolha terá consequências diferentes. Hoje, depois de preparar um ovo para você, eu disse: "vamos agradecer a galinha por este ovinho maravilhoso, por ela ter dado o pintinho dela pra gente comer".
Você me olhou atônito "o pintinho tá aí?".
"Não, filho, o pintinho não nasceu. O ovo é que nem uma sementinha, quando a gente deixa ele no tempo certo, sai um pintinho de dentro dele. Mas quando a gente tira ele de perto da mãe, ele vira ovo com gema".
"Então eu não vou mais comer ovo porque eu quero ver o pintinho sair".
Eu disse que isso poderia ser uma escolha sua se fosse bom pra você, mas que a mamãe gostava muito de ovo e ia continuar comendo mesmo sabendo que o pintinho não ia nascer. Você devorou 2 ovos e não me pareceu muito inclinado a salvar pintinhos. Mas acho importante que você saiba que pode não ser conivente com a morte deles.

E que, se assim você decidir, saiba que este ato individual vai fazer muita diferença pro mundo. Não importa se o ovo vai estar na granja esperando para ser comprado. Se você decidir não comprá-lo, isso vai fazer diferença, porque muitas pessoas podem tomar a mesma decisão que você. E é assim que as coisas mudam.

Então, estes tempos mudaram bastante porque muitas pessoas tomaram a decisão de eleger um cara esquito para chefiar nosso país. Este cara, que você chama de "bolsonario", é um homem que pensa muito diferente de mim em vários sentidos. Foi difícil te explicar porque "Ele Não", mas acho que você entendeu. Foi difícil também te explicar porque só o Lula está preso enquanto um monte de bandido continua em liberdade - acho que isso você não entendeu (porque não tem como entender mesmo, filho).

Estamos num momento de profunda mudança e talvez os próximos anos sejam marcados por muita dureza. Por isso comecei este texto desejando que o mundo não te endureça. Neste momento, a resistência não tem a ver com dureza, mas com amor. Amor e sonhos. Amor e aceitação. Amor e amor e amor.

Feliz 5 anos! Que sejam os melhores, porque serão os únicos!


terça-feira, 25 de setembro de 2018

inferno astral

À beira dos 37 muito bem vividos, me emociono ao perceber como ainda me deixo ser tocada pela vida. Sigo mais suscetível do que nunca e choro as dores do outro, que são as minhas próprias. Não quero nem vou mudar isso. Manter-me permeável num mundo blindado é resistência. Manter-me sensível e disposta neste contexto acirrado é amor. Manter-me atenta ao entorno é conexão. Resistência, amor e conexão: o que mais desejar para um novo ciclo?

Neste fim de semana de emoções atropeladas, pensei um pouquinho em você - fazia tempo que você não aparecia por aqui. Pensei que talvez sejamos mais parecidos do que eu gostaria. Pensei que talvez você vote no coiso e isso imediatamente me fez espanar as poucas memórias agradáveis que ainda guardo da gente. Mas fui além e me perguntei: quanto do "coiso" existe dentro de cada um de nós que não queremos ver? Quanto de louco, radical, preconceituoso, feio, bizarro, escroto, mau, incoerente, nojento existe em você? E foi então que percebi também o quanto de você há em mim. Você que só critica e julga. Talvez por isso doa tanto te ver assim de frente.

Tudo que é perturbador é também revelador.

Talvez o segredo seja olhar no espelho e aceitar o que vier. Até o auto-engano.


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

desperta

Se escolher amar uma mulher desperta, entenda que estará entrando em um território novo, radical e exigente. Se escolher amar uma mulher desperta não poderá continuar adormecido.

Se escolher amar uma mulher desperta cada parte da sua alma será despertada, não apenas seus órgãos sexuais, mas também seu coração. Mas, se pretende uma vida normal, siga com uma mulher normal.

Se deseja uma vida dócil, encontre uma mulher que decidiu ser submissa. Se deseja apenas mergulhar o dedo do pé nas águas que correm de Shakti, mantenha-se com uma mulher correta, que ainda não mergulhou na fúria do oceano sagrado feminino. É fácil amar uma mulher que ainda não ativou seus poderes sagrados internos, porque ela nada exigirá.

Ela não te porá à prova.

Ela não exigirá que te tornes o mais alto Ser que podes ser.

Ela não acordará as partes esquecidas e anestesiadas do seu Espírito pedindo que se lembre que há mais possibilidades de vida do que isso.

Ela não vai olhar fundo em seus olhos cansados e enviar raios de Verdade através do seu corpo, balançando-o acordado e sacudindo seus desejos perdidos há muito dentro de você.

Se isso não for suficiente para você - se o seu coração, corpo e espírito anseiam pela "Outra Mulher" - então deve saber que está prestes a transformar a alma. Deve saber que está fazendo uma escolha séria com consequências cármicas. Pois, se decidir adentrar a aura e o corpo de uma mulher cujo fogo espiritual está queimando, então saiba que estas ansiando por um certo nível de risco e perigo, com o propósito de crescer. Uma vez que começa a amar uma mulher dessa natureza você deve aceitar a responsabilidade.

Sua vida não será mais confortavelmente sonolenta o tempo todo. Sua vida não permitirá que fique preso aos velhos sulcos e rotinas estagnadas, pois ela - A Vida - assumirá radicalmente novo sabor e aroma.

Você será inflamado pela presença do selvagem feminino e irá sintonizar-se com o chamado Divino.

A escolha de ser sexualmente e amorosamente íntimo de uma mulher desperta, é para os homens que precisam de coragem para caminhar sem medo do desconhecido. Mas esse homem, vai colher recompensas além da compreensão da sua mente. Ela o levará a mundos desconhecidos de mistério e magia. Ela vai levá-lo hipnotizado e meio entorpecido de amor, às florestas selvagens do êxtase sensual e de admiração. Ela não vai fugir da sua "escuridão", porque a sua escuridão não vai assustá-la. Ela falará palavras que a sua alma entende.


É um risco enorme amar uma mulher desperta, porque de repente não há um lugar para se esconder. Ela vê tudo, para que ela possa amar com profundidade. Amar uma mulher como essa é escolher começar a viver com a sua alma no fogo. Sua vida nunca mais será a mesma, uma vez que convidou essa energia para entrar. Certifique-se, caso escolha amar uma mulher desperta de que escolheu por não passar o resto da vida olhando para trás sobre o seu ombro, tentando enxergar mais uma vez a visão turva de mistério feminino que desapareceu de sua vista. Pois ela terá voltado para as estrelas e galáxias distantes do céu...de onde ela veio.

Sophie Bashford

domingo, 8 de julho de 2018

carta pro filho 4

Estou sendo engolida pela vida e você está crescendo rápido demais. Deixo escapar nas entrelinhas dos dias as frases mágicas que você solta - aquelas bem engraçadas que a gente devia anotar pra rir até 2050... Você fala sem parar. Conta histórias vividas e histórias fantásticas. É uma criança imaginativa, brilhante, solar e comunicativa. E precisa de ouvidos atentos. Busco estar presente, apesar dos deslizes. Uma coisa que não vou dizer jamais é que não aproveitamos juntos a sua infância: quando não estou trabalhando, eu sou quase toda pra você. Não só o tempo e a rotina me engolem, mas sobretudo minha exigência. Em ser a melhor mãe (a maior cagada, eu sei, mas não consigo fazer diferente neste momento). Nesse esforço insano, nessa insistência de querer dar conta de tudo, acaba brotando também o pior de mim. Eu brinco que você deve pensar que eu sou bipolar, ou algo do tipo. Mas não sou, filho. Sou demasiadamente humana, só isso. Te encho de beijos e carinhos e depois quebro o pau. Eu queria que isso fosse mais equilibrado, mas é uma tarefa quase impossível para mim. Então, enquanto busco dentro de mim a paciência nossa de cada dia, observo como somos parecidos para tentar pacificar minha culpa.

Você é superlativo, como eu. Nada é morno pra você. Ou é quente, ou é gelado, ou é maravilhoso, ou tá muito ruim. Queria te dizer que enxergar tons de cinza pode ajudar às vezes, mas não vai adiantar. Você vai aprender isso com a vida (ou não). Você é irado e não leva desaforo pra casa. Você é musical e ama tudo que se relaciona ao ritmo. Você nada em águas profundas, como eu. Você é ligeiro e não perde um detalhe. Está sempre observando com o canto do olho. Tem a percepção aguçada de um aprendiz. Você é por demais sensível - não aquela sensibilidade de quem se machuca e chora. Você sente o clima e transforma em palavras o que não é dito. Você é meio bruxo, filho, e como eu, uma alma velha. Percebo a pureza do seu coração e que os caminhos que estou trilhando com você estão te ajudando a se tornar um homem bom. O que mais eu posso querer da vida?

Eu sinto muito, me perdoe, eu te amo, eu sou muito grata.

  

sábado, 28 de abril de 2018

cadê você

O amor não é simples. É um sentimento muito sofisticado. E eu sou uma fonte pura e inesgotável dessa sofisticação. Tento, a cada dia, não me engatilhar nas armadilhas da mente e agir com o coração. Nem sempre consigo, mas tento. Vivo assim minha verdade. Você é mente pura, tá engatilhado todo, cheio de nós. Cheio de corações partidos pelo caminho. Cheio de vazios. Não tô muito interessada em águas rasas. Quero mergulhar sem ver o fundo. Surpreende a profundidade da nossa ligação, mas não há mergulho. E aí eu mergulho sozinha. De novo - E de novo.
[É sempre bom nadar, mas muito melhor nadar junto].

Então, cadê você? Pergunto: cadê você, amor? Cadê o tempo bom de só estar, sem sentir as horas passar, sem pressa de levantar? Cadê pés se encostando de manhãzinha, café, amor, banho, café? Cadê as conversas de não terminar, tecendo fios sobre a existência? Cadê que eu nem lembro mais como é: dormir, acordar, dormir, acordar, abraçar, brigar, chorar, rir, rir rir rir... Cadê os planos? Vamos viajar, vamos fazer outro filho, vamos comprar um colchão novo... Vamos ler juntos e lançar doçuras em nossas amarguras diárias pra vida fagulhar? Cadê aquela palavra que nem precisa ser dita, porque já foi entendida quando pensada? E cantar juntos aquela música que a gente gosta. Cadê aquela música? E plantar juntos, colher juntos, comer juntos. Cadê nosso quintal? Onde é que ele é? Cadê eu não gostar das tuas manias e tu das minhas? Cadê eu amar outras manias tuas e poder escrever sobre elas e sobre os detalhes do teu jeito de espalhar as mãos enquanto fala - e de espalhar suas mãos sobre o meu corpo como eu gosto. Ah, como eu gosto...! Cadê você que acredita em Deus, que ama a Natureza, que consegue apaziguar brigas com um abraço? Cadê nossas respirações se sincronizando dentro de um abraço demorado? E aquele beijo desapressado?
Aquele arrepio, cadê?
Cadê você que é meio minha sombra e meio metade minha?



quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

envergo, mas não quebro

Eu achei que este dia não ia chegar. Sinto meu coração transbordando de gratidão e uma tranquilidade como há tanto tempo não sentia - ainda desperto por vezes em sobressalto achando ser um sonho. Mas não é sonho. Assim como o passado também não foi pesadelo. Pés descalços no caminho pedregoso sob o sol escaldante, lágrimas secas, coração vazio: nada foi em vão. Sou agora o resultado deste percurso. Olhei bem fundo na cara do medo. Às vezes me desesperei. Pedi muita ajuda e tive muita ajuda. Meus amigos: meus tesouros. Meus anjos, meus gurus. Meus antepassados. Ganhei um amor de presente pra amansar os dias mais difíceis. Honro esses dias, os melhores e os piores. Não me orgulho do sofrimento, apenas agradeço os aprendizados. Hoje valorizo outras coisas, meus desejos se transformaram, sou muito maior. Hoje escolho me libertar de julgamentos que me cegam, de crenças que me limitam, de condicionamentos que me aprisionam. Prefiro olhar pra dentro e me relacionar sem máscaras. Eu, mais eu do que nunca. Coração.
Pode vir. Tô pronta.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

blur

As noites têm sido curtas, os dias longos e cheios. Poucas horas de sono, muito trabalho. Eu costumo enfiar a cara no trabalho depois de uma desilusão amorosa. É um jeito produtivo de se distrair. Dei sorte: mal tenho tempo pra tomar banho. Hoje fiquei com vontade de saber como você está. Lembrei do dia em que me disse: "Você vai ver, amor, as coisas vão se abrir pra nós ao mesmo tempo e vamos poder curtir juntos, vai dar tudo certo". Queria saber se as coisas tão dando certo pra você como estão dando pra mim. Você não deve estar muito interessado, mas estou feliz. Fase boa da vida, finalmente tranquila. Sei que você "torce muito por mim" - foi o que me disse da última vez que nos falamos, então de qualquer forma achei que ficaria feliz em saber que estou bem. Todas as manhãs converso longamente com Deus e isso me mantém elevada. Sigo me emocionando muito com a imprevisibilidade da vida e ando muito impressionada com minha intuição. Coração ainda meio tropego, será esta uma característica dele? Mas enfim, já vivemos juntos há 36 anos, temos aquela intimidade que reconhece até o ritmo da respiração do outro, então no fundo é pura conexão. Esbarrei num cara de coração puro como o meu que tem o melhor abraço do mundo e a sensibilidade de poucos homens. Acho que estou me apaixonando por ele, mas quando ainda me pego chorando pelas nossas memórias, fico na dúvida se sou tola ou imbecil. É um misto de raiva e pena de mim mesma. Sei que já estou quase na reta final dessa insana caminhada que é te esquecer. Aos poucos, sua fotografia vai ficando embaçada. Num dia acordo e me dou conta de que esqueci o formato dos seus olhos. Aos poucos, você se esvai.
Um borrão.
Blur: algo que não posso ver claramente.
Ou talvez, nunca pude.


terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

senhora morte

A vida é mesmo um sopro. Osho diz que a morte sempre acontece com a exalação e o nascimento com a inalação. A exalação e a inalação estão acontecendo continuamente. Com cada inalação você nasce; com cada exalação você morre. Mas a gente nunca acha que exalou o suficiente. Nosso maior apego é à vida. E você me pergunta: o que aprendemos de tudo isso? O que as pessoas fazem de diferente, frente a uma nova oportunidade de vida? 

Elas não fazem nada porque não conseguem olhar com sinceridade nos olhos escuros da morte. 

Somos seres tão pequenos que não conseguimos enxergar a imensidão da existência. A ideia de que nos encerramos aqui é tão estreita! É isso que devemos aprender: a viver com pura confiança no mundo espiritual e sem qualquer segurança na existência. Mais uma vez a vida me coloca diante do luto alheio, uma dor imensa que eu nem consigo por em palavras. Eu nem sei o que dizer, eu queria mesmo é te abraçar por muitas horas. Desejo que você possa chorar. E que você consiga mergulhar fundo neste entendimento. Que você consiga externar todo seu amor para que o arrependimento nunca seja uma mágoa. Você pode dizer qualquer coisa agora, como sempre pode (mas não disse). Agora você pode: então diga. Você pode se ajoelhar e pedir perdão. Você pode se surpreender com o que vai ouvir. Deixe-se surpreender então! A proximidade da morte traz clareza a quem está partindo.

Que o caminho seja leve. e breve.

"Estamos vivos, e a morte nos aguarda. Esta é a única verdade que importa. As demais...são nada!
Um mortal consciente não pode permitir semelhante desperdício de seu tempo único e breve sobre a terra. Um mortal consciente é um guerreiro que faz de cada ato, um desafio - o desafio de beber a essência da vida, a cada instante. O desafio de viver digna e impecavelmente seu momento, como sua força lhe permite. Um mortal desfruta e saboreia o valor de cada momento precioso, porque sabe com toda certeza que a morte o espreita e que seu encontro com ela terá de cumprir-se sem lugar a dúvidas.

Como a morte pode chegar a qualquer momento, um guerreiro se dá por morto e considera cada ato, seu último ato sobre a terra.

Um ser que dá o melhor de si mesmo a cada ato, tem um poder especial. Tem uma força e um sabor que não pode comparar-se com as chatas repetições de um mortal. Por isso, o guerreiro tem a consciência da morte como a pedra pilar de todo seu conhecimento e de toda sua luta".

Carlos Castañeda


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

meu bem, meu zen, meu crack

Metade do meu sangue é drama mediterrâneo, então pode parecer que eu goste de sofrer. Sim, ainda choro profundamente. Sim, ainda penso em você, muito mais do que gostaria. Não me envergonho de ter te amado, só não consigo entender as recaídas. É muito ruim, como se você fosse meu crack.

Mas eu sou filha do sol e mereço brilhar.

Acho que já te agradeci por tudo. Já rezei todas os rezos que conheço. Já te pedi perdão por não ser aquela que você esperava. Já não tenho seu telefone, nem seu endereço. Já faz tempo, mas ele insiste em caminhar lento pra mim, no que se refere a nós.

Recentemente te mandei à merda.
E vou aproveitar pra te mandar uns boletos também:
250 paus numa Constelação pra ver todas as suas dores lá escancaradas.
150 paus numa sessão de Barras de Access pra sacar o padrão que me prende a você. 
250 paus para te vomitar numa sessão de ayahuasca com a galera mais escorpiana que eu conheci na vida - aprendendo com os scorpions!
Chorar como uma criança no colo de uma preta velha e perguntar "por quê?" - pra ouvir a resposta que eu já sabia (esse foi de graça).  
E mais 120 pilas em outra sessão de ayahuasca pra te vomitar mais um pouco. Detox geral.  
Veio Palo Santo da Colômbia.
Veio São Miguel Arcanjo.
Veio Osho
... e a galera toda!

Mas... é só o tempo. O analgésico da vida. 


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

carta pro filho 3

Ontem desenhamos desejos para este novo ano. Eu fiz uma casa na praia com gramado, coqueiro e rede de balançar. Você me ajudou a colorir e depois desenhou um sol. Mas o que ontem era uma garatuja, do dia pra noite se transformou num sol com raios. A surpresa de ver brotar daquele papel formas mais conhecidas por mim, me fez brilhar os olhos, como um passo antes da escrita.

Nestes dias de férias, em que a intensidade da convivência não é pouca bobagem, testemunhar suas conquistas tem me feito chorar. A cada pedalada na sua bici nova, você abre um sorriso de satisfação que nunca vi em nenhum outro rosto. É um milagre. E quando você cai, meu coração vem até a garganta, mas você se levanta, limpa a mão na camiseta e sorri. Você é tão corajoso, curioso e valente, filho. Admiro muito isso em você. Observo sua sede de autonomia, seu ânimo de viver, sua doçura bruta, sua desobediência civil: você é a criança que eu gostaria de ter sido. Você brilha.

Quero me contaminar pelo seu riso frouxo. E ouvir atentamente seus ensinamentos com o coração aberto: "Cada um tem seu jeito de fazer as coisas, mamãe" ou "Você precisa aceitar o nonno como ele é", ou ainda "Mangia che ti fa bene!". 
  
Nesta insana proximidade, agradeço a oportunidade de nos reconectarmos - como fizemos nas férias de julho. Agradeço por perceber como sou boba quando perco a paciência por besteiras, como repito contigo os mesmos erros que cometeram comigo. Preciso calibrar minhas emoções pra dar conta de tantos aprendizados. Gratidão por ter me escolhido para te maternar, meu pequeno-grande Mestre.