sexta-feira, 26 de março de 2010

matemática da vida

Trinta e poucos anos, provavelmente classificado pelo IBGE como "pardo". Mãos grossas, calejadas, com permanentes resquícios de tinta branca. Julgo que fosse pintor de parede. Sacolejava no barulhento 7228/10 sentido Pinheiros e levava aberto um livro de matemática antigo, daqueles de capa dura e papel couchê usados nas escolas públicas na década de 70. Apesar das páginas levemente amareladas, estava bem conservado. Passeava com a ponta de um lápis mal apontado pelas formas arredondadas: estava no capítulo de "conjuntos". Detinha-se especialmente no entendimento das intersecções. Voltava para a página anterior, repetia mentalmente o racioncínio acompanhado do lápis mal apontado, virava a folha, fazia um leve sim com a cabeça, logo um não. Fechou o livro, num misto de cansaço e resignação, para contemplar a paisagem molhada da cidade que o ônibis rasgava sem dó.
Fiquei então imaginando qual seria o valor daquele aprendizado: conjuntos matemáticos pura e simplismente, descontextualizados de qualquer elemento com que aquele sujeito pudesse estabalecer conexão. Nunca fui boa aluna de matemática e carrego até hoje o ônus disso. Reconheço a importância do desenvolvimento do raciocínio lógico e analítico, talvez o modo como me foi ensinada a matemática foi tão equivocado quanto o que está sendo ensinado àquele jovem senhor no ônibus. Entrei na minha utopia diária de pirar sobre como as coisas poderiam ser diferentes (e mais legais!), de como poderia ser mais interessante compreender (e vivenciar) os sistemas, os conjuntos, os elementos matemáticos como representações gráficas das nossas estruturas sociais cotidianas, da nossa condição de indivídios inseridos na coletividade. E daí as intersecções, a riqueza e a multiplicidade de possibilidades que elas trazem: milhões de cruzamentos, reencontros, enlaces, nuances, níveis de profundidade. Gostaria que tivessem me ensinado matemárica assim.
a + b = X não significa nada.
eu + você = nós. Isso é muita coisa.

3 comentários:

Melina disse...

Espero que você esteja bem. Muito bem. Espero ainda, que nunca perca a vibração genuína e a alegria de viver transmitida pelo brilho do seu olhar.
Te adoro.
beijos

Beta disse...

minha linda! Estou bem. Não muito, mas bem. Momentos de crise generalizada servem pra nos fazer refletir sobre um monte de coisas e mudar o que não está legal. É dose, mas tamoaí, pro que vier!
um beijo e obrigada pelo carinho.

Diana Assennato Botello disse...

Que lindo texto, amiga.
Que linda reflexão... doce e amarga mas também profunda.
Gosto muito de você.
(mesmo que a nossa relação seja através dos nossos textos, rs.)