Há poucos mais de um mês, um jovem casal se mudou para o micro-apartamento que dá de frente pra janela da minha cozinha. Acompanhei um pouco de tudo: a mudança dos antigos moradores, que tiveram um bebê e precisavam de um lugar maior, o encaixotamento da vida, o choro da criança agastada - mal veio ao mundo e já precisava se mudar?
... e a chegada do novo jovem casal. Poucos pertences, coisas carregadas no carro do melhor amigo dele e da melhor amiga dela - eles não devem ter carro. Uma mesa de vidro é o que consigo ver da minha janela. E deduzo também que tenham colocado um sofá ao pé da janela deles, mas esse eu não consigo ver. Algumas semanas de arrumação, alguns amigos convidados para conhecer o novo casulo, alguns dias depois, um vasinho com flores sobre a mesa de vidro. Ele anda de cueca pela sala, cabelos cacheados sem corte, barba mal feita. Deve ser comunista, diria um amigo meu. Eu acho mais provável que ele seja jornalista (e comunista, por que não?). Ela eu não vejo muito (na verdade não reparo muito nela).
A não ser na outra noite, já era tarde, fazia calor. Janelas abertas, o bairro estava silencioso, eu tentava me concentrar e trabalhar um pouco. Uma voz de mulher vindo de longe me distraia. Fui para a janela fumar um cigarro e percebi o casal sentado no sofá em meio a uma discussão. Ela chorava um pouco e falava muito, gesticulava muito. Ele, de costas para a janela, falava menos. Foi aí que reparei nela, uma mulher. Aquele serzinho que precisa enxergar possibilidades de futuro.
Me deu vontade de gritar aqui do outro lado: "hey, parem com essa conversa estúpida. Abracem-se e acabem com isso! Se vocês soubessem como é inútil discutir e... ".
Pareceu-me triste aquela discussão poucos dias depois de terem se mudado juntos, para debaixo do mesmo teto, concretizando o futuro. Ela falava, ele replicava breve. Ela gesticulava e passava a mão nos cabelos, ele replicava com gestos contidos. É inevitável, eles não têm essa visceralidade: eles não têm utero. O peso que dão para as coisas é outro.
Pensei nisso enquanto via aquela mulher se debatendo para salvaguardar sua possibilidade de futuro, por horas a fio. Retornei ao meu computador e continuei ouvindo sua voz até muito depois da meia-noite. Quando voltei para a janela, as luzes dos vizinhos já estavam apagadas.
Hoje, dias depois do ocorrido, fui acordada por um barulho de furadeira. Mal humorada, fui até a janela recolher a roupa do varal. Ele de cueca, ela olhando atenta. Estavam pendurando uma possibilidade de futuro: uma estante para comungar livros, saberes, fotos e cds. Felizes, trocavam chamegos.
... como quem pendura lustres, quadros e utensílios de cozinha.
Como pendurar juntos possibilidades de futuro e depois não estar juntos no futuro?
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