Dizem que a separação nunca é uma urgência. Dizem que ela comeca em seu avesso. E que é justamente no momento mais suave, o primeiro encontro, o primeiro olhar, que a separação começa a existir. Eu prefiro acreditar que a separação nunca termina, e que o último dia, a última noite, é um instante que se repete, a cada espera, a cada volta, cada vez que sinto tua falta, cada vez que pronuncio teu nome. Eu acredito que, ao te chamar, um encanto seja capaz de fazer com que você se vire e olhe, e, sem perceber, estenda entre nos um atalho, uma ponte.
Mas como a gente chama alguem que foi embora? Alguém que esta longe, alguém que não está, que não quer estar? A distância deveria impor um tom menos íntimo, mais solene. Mas como a gente trata com distanciamento alguém que acabou de estar tão perto, ao meu lado, há pouco deitado ao meu lado, na minha cama, onde todo dia, todas as noites, algo tão íntimo como dividir a cama e os lençóis da cama quando o dia amanhece e os lençois ficam lá escancarados com suas manchas e sua noite impregnadas. Como alguem sai da cama da gente para a formalidade?
Imagino neste instante você aí na sua casa, uma xícara de café, quiçá, lendo esta carta e se perguntando, talvez irritado, por que isso agora, afinal já acabou, já fomos embora, pra que continuar indo embora indefinidamente, você poderia se perguntar.
Eu te respondo que não sei, mas faz-se a necessidade de recuperar alguma coisa - segundo voce irrecuperável. Que outra razão poderia haver? Como algo pode ser irrecuperável?
Tento imaginar a expressão do teu rosto, o teu rosto, a tua boca, o teu olhar neste momento, agora, que nada mais é do que um vão que nos separa, a distância entre as minhas e as tuas mãos, os meus dedos que passeiam pelas teclas dessa máquina, e os teus. Você, sentando num banquinho de plastico preto, o apartamento que conheço tão bem, as letras, as palavras que eu escolho, o encadeamento das palavras que é sempre outro. Como ultrapassar esta distância que nos separa? Este intervalo entre o que eu digo e o que voce lê? Você esta por toda parte, em cada livraria que eu entro, em cada café sem açucar que eu tomo. Na biblioteca nacional, você estava lá. Tua presença inesperada e inexplicável.
Por isso minha insistência, outra carta. Porque há algo que eu quero te dizer, algo que ficou pela metade, o apartamento vazio, uma frase incompleta ou com alguma reticência. Porque ha algo que ficou pela metade, algo que vem depois. Porque há coisas que demoram a existir. E que é necessario repetir, uma e outra vez.
A separação.
(créditos à maravilhosa Carola Saavedra, que inspirou meu feriado).
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