Há dias late aqui o desejo de dedilhar sem pausa o teclado impertinente. Repousar os olhos sobre a tela branca sem nenhum compromisso me remete a um passado nostálgico, em que essa era minha rotina: escrever todos os dias: buscar inspirações: encontrar tempo: encontrar a policromia da vida.
Então aqui estou - tentando voltar, dois anos depois, ainda meio de ressaca. Com os olhos cheios d'água, por algo que me tocou tão profundamente inda agora - e como foi forte: a lembrança de quando me descobri grávida, absolutamente surpreendida pela missão que me fora confiada. Pela rejeição àquele que já me habitava. No desespero de quem sentiu as asas amputadas, o chão sumir, o peso da 'inconsequência', a incerteza do futuro, a certeza da solidão. "Não quero, não vou ter esse filho" - eu repetia.
E chorava - constatando a ineficácia de qualquer mecanismo de controle. Constatando, desde aquele milímetro de feto, que eu seria incapaz de abortar. O que eu abortaria seria meu discurso feminista da vida inteira.
Tive coragem de escolher.
"Ainda bem" - dizem.
"Ainda bem" - digo.
Antonio faz tudo valer à pena? Foi a pergunta-brinde que ganhei esta noite e que me fez escancarar esta ferida e curar o que faltava desse pedaço de história.
Antonio é meu mestre. O mestre te ensina pelo amor e pela dor. Te ensina por vias escusas e tortuosas, mas sempre com muita ternura e compaixão. Ter um filho é um salto quântico na existência, sem dúvida o maior desafio da minha vida. Ter um filho é aprender a ser filha. É o ato mais altruísta da humanidade. É tomar consciência de todos que vieram antes de você e tornaram isso possível. Ter um filho é insanidade, psicodelia, cura e recompensa. Muitas coisas valem à pena sem filhos, não posso ser hipócrita. Mas quase tudo vale mais à pena com eles.
Honro minhas escolhas e agradeço a guiança que acompanha minha estrela.
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