Entra no elevador o menino franzino que sempre toma o ônibus comigo. Sorri em sinal de cumprimento e fica visivelmente envergonhado com o brado da mãe: "vai com deeeus, filho". Subimos juntos até o ponto sem trocar palavra. Acho que ele é tímido. Ele tem cara de estagiário de escritório de advocacia. Da próxima vez, vou perguntar o que ele faz da vida;
A mulher leva na coleira um cachorro que é duas vezes maior do que ela. Segura severamente o laço, quase enforcando o bicho, enquanto ele tenta vingativo arrastá-la para o meio fio. Ao passar por mim, esboça um sorriso no canto da boca;
O cobrador responde meu "bom dia", como de costume. Comento que estou com frio e errei na roupa. Ele então abre um largo sorriso: "Pode ter errado, mas tá linda. E cheirosa, como sempre". Enrubreço (e sorrio);
O passageiro sentado ao meu lado fala alguma coisa. Tiro o fone do ouvido. Ele repete "Esse desce a Consolação?". Aviso que não, terá de trocar nas Clínicas. Ele sorri e agradece. Reparo como ele é parecido com você. Tem o seu tamanho e as mãos iguais às tuas. Lembro do nosso sorvete no ponto de ônibus e sorrio.
Atravesso a avenida, tomo o lado esquerdo da calçada. E lá está ele, à procura. O cheiro azedo invade a minha passagem. Em busca de restos podres, alimentando-se de nossos descartes, ele abre um saco após o outro, sem pudor, sem nojo, com a naturalidade cotidiana de quem abre uma loja.
Escancara na nossa cara o mais desagradável dos mundos.
Ele não sorri. Nem eu. Sorte que já houve outros sorrisos para compensar esse momento. Ele, o mais (in)digno de todos os homens, é o único personagem que eu não gostaria de encontrar nas minhas manhãs sorridentes.
3 comentários:
olá prosadora! obrigada pela visita e por ser minha seguidora! ehehe, sorri logo cedo por causa disso! ;)
volto mais vezes pra te visitar!
um bjuuu grande
Ai, tanta coisa que eu não quero que estraga meus sorrisos matinais
Ah, mundo real...
Um beijo,
doce de lira
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