A filha de um amigo, quando pequena, morria de medo da própria sombra. "Era difícil lidar com isso", explicou, "porque a sombra está sempre com a gente, né?!".
A menina vivia correndo da própria imagem refletida no chão, na parede, onde quer que fosse. Me deu um arrepio ao ouvir esse relato, não pude evitar metáforas com as neuroses da nossa vida adulta: inconscientemente, passamos grande parte dela fugindo das nossas sombras. Temos a ilusão de termos nos libertado do medo infantil da nossa imagem refletida, associando-a a fantasmas ou coisas do tipo, mas quando crescemos são os outros que personificam nossas sombras. E, ao encontrá-las, dificilmente conseguimos lidar com elas, acolhê-las, enxergá-las como uma extensão do nosso corpo. Morremos de medo, exatamente como a filha do meu amigo. A partir daí é uma sequência de boicotes, fugas, desculpas, até que finalmente acreditamos ter conseguido nos libertar delas.
Não se iluda: elas voltam, reflexos de estilhaços que foram varridos pra debaixo do tapete, borrões que não foram bem apagados, lembranças de um tempo bom.
Por isso não devíamos ter medo das nossas sombras e muito menos tentar a fuga. Na verdade, elas servem pra nos dar a luz.
3 comentários:
Linda amiga, perceba a ironia: só há sombra onde há luz. Como a luz não passa através dessa matéria, corpo, projeta-se para além dela e, na sombra, nos traz a lembrança de sermos e estarmos. bJUs
Quanto mais luz, mais sombra, né?
Adorei o que vc escreveu. bjs da outra ju
... e quanto mais sombras, MAIS LUZ, minhas lindas ju's.
beijos!!
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