quarta-feira, 30 de setembro de 2009

sorrisos matutinos

Entra no elevador o menino franzino que sempre toma o ônibus comigo. Sorri em sinal de cumprimento e fica visivelmente envergonhado com o brado da mãe: "vai com deeeus, filho". Subimos juntos até o ponto sem trocar palavra. Acho que ele é tímido. Ele tem cara de estagiário de escritório de advocacia. Da próxima vez, vou perguntar o que ele faz da vida;

A mulher leva na coleira um cachorro que é duas vezes maior do que ela. Segura severamente o laço, quase enforcando o bicho, enquanto ele tenta vingativo arrastá-la para o meio fio. Ao passar por mim, esboça um sorriso no canto da boca;

O cobrador responde meu "bom dia", como de costume. Comento que estou com frio e errei na roupa. Ele então abre um largo sorriso: "Pode ter errado, mas tá linda. E cheirosa, como sempre". Enrubreço (e sorrio);

O passageiro sentado ao meu lado fala alguma coisa. Tiro o fone do ouvido. Ele repete "Esse desce a Consolação?". Aviso que não, terá de trocar nas Clínicas. Ele sorri e agradece. Reparo como ele é parecido com você. Tem o seu tamanho e as mãos iguais às tuas. Lembro do nosso sorvete no ponto de ônibus e sorrio.

Atravesso a avenida, tomo o lado esquerdo da calçada. E lá está ele, à procura. O cheiro azedo invade a minha passagem. Em busca de restos podres, alimentando-se de nossos descartes, ele abre um saco após o outro, sem pudor, sem nojo, com a naturalidade cotidiana de quem abre uma loja.

Escancara na nossa cara o mais desagradável dos mundos.

Ele não sorri. Nem eu. Sorte que já houve outros sorrisos para compensar esse momento. Ele, o mais (in)digno de todos os homens, é o único personagem que eu não gostaria de encontrar nas minhas manhãs sorridentes.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

momento cyndi lauper

When I fell down, I want you above me.
I search myself, I want you to find me.
I forget myself, I want you to remind me.
I don´t want anybody else, when I think of you I touch myself.

domingo, 27 de setembro de 2009

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

...é tudo mentira

90 por cento do que escrevo é invenção.
Só dez por cento é mentira.

Manoel de Barros

ainda

Depois de uma boa dose de auto-estima e outra de Salinas, depois de tanto tempo, de tanto vento, depois da viagem e da malandragem, me surpreendi ouvindo da minha própria boca que ainda desejaria ter um filho seu.
Acho que você cresceu dentro de mim como um órgão vital, insubstituível, inextirpável. Meu coração? Meu cérebro?
Meu amor?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

futuros amantes

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

(Só o chico mesmo pra colocar "escafandristas" no meio da porra da música...)
[ave maria!]

domingo, 20 de setembro de 2009

Quero emudecer. Mantenho as luzes apagadas, inertes. Prefiro ficar no escuro, escondendo a lama, as lágrimas, a nudez real, as promessas não cumpridas, as frases nunca ditas e também aquelas que nunca deveriam ter sido ouvidas. Mantenho obscuros os vãos, a culpa, o fim da festa. Varro pra debaixo do tapete o amor que nunca chegou ao fim. Escureço lembranças. Deixo oculto tudo o que não entendi. Nunca entendi.
No escuro, arremesso dúvidas, e acendo uma vela que abre frestas, intervalos, respiros.
.
Amanheço com seu cheiro.

3min 20s = R$ 4,50 (fora do plano Vivo 90)

Tô cansada (também), mas não desisto.
No hay que perder la ternura.
No hay que endurecer.
Jamás!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

fantasia

Ele estava fora de contexto, encarnando o batman em um ambiente onde todos haviam improvisado divertidas fantasias, criativas até demais - vasos de flores pernambucanos e jardins encantados coletivos, quase alucinógenos. Fato é que ele apenas entrou numa loja, comprou a sua fantasia e foi. Ou talvez ele fosse mesmo o Bruce Wayne em carne e osso. Era o dono da festa. Carregando toda sua humanidade contraditória de super-herói, direto das telas de cinema para um casarão do século XIX em Santa Teresa. Veio voando (de preferência), não para salvar a humanidade, mas para tomar umas biritas e fumar um beque no rio de janeiro. Afinal super heróis também têm o direito de se divertir...
Esse Batman carioca era alto, bem apessoado. Caminhava a passos largos e pesados, não tirou a máscara uma só vez. Circulava com classe, chamando atenção, segurando sua longa capa preta. Foi num desses momentos sublimes: com olhar fixo, atravessou a pista de dança do imenso jardim. Aproximou-se dela, estilo mignon, cabelos enrolados, boca carnuda e vermelha. Parou por um segundo a sua frente (penso que super heróis devam se sentir inseguros às vezes), mas, sem titubear, apanhou-lhe o queixo, inclinando-o levemente para o lado direito, e eletrizou seus lábios. Longamente. Ela não resistiu, amoleceu seu corpo envolto em um corpete apertado. Suas línguas se enrolavam com uma intimidade conquistada em poucos segundos. Ele levantou a capa negra e os enrolou, evidenciando os contornos dos corpos perfeitamente encaixados. E voaram alto, como ela jamais havia sonhado, com a leveza que só os encontros fortuitos podem ter.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

romântica

Sim, eu sou. Além da conta, talvez.
Mas não vamos reduzir o romantismo à banalidade a que estamos habituados. Meu romantismo é amplo: é minha visão de mundo que é romântica. Acredito no poder criador do homem, na sua bondade, na pequenez delicada de seus gestos, no idealismo que ainda deve guiar suas ações. Na sua escuta, no seu interesse pelo outro, além de si mesmo. Estou convencida de que há magia por aí, e não precisa procurar muito.
Olho pro homem da minha vida e sei que ele é o homem da minha vida - só quem já sentiu isso sabe que é possível. E nossas almas se encontram num dia chuvoso e desajeitado, atravessando a rua, com aquelas luzinhas dos carros, dos faróis e dos olhos brilhando no asfalto molhado. E a música da cidade toca: ruído incessante da pressa. E tudo é sincrônico. Frio, livro, casaco, chocolate, abraço. Um após o outro, passos. E nossos corações pulsam ao ritmo dessa música.
É que tá tudo aí pra ser criado.
Sonhado.
Realizado.

domingo, 13 de setembro de 2009

tchibum

Mergulho de cabeça??

E se for raso demais??

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

saia, já!

Sai daí.
Saia do meu caminho, deixe ele livre.
Agora que toda chuva já caiu, limpou, levou, lavou e o mundo não se acabou, passe você por outras ruas.
Saia dos fragmentos falsos de vida que você compõe.
Saia, saia, saia.
Saia já [da minha vida].
.
Hoje o dia foi difícil.
A noite não foi tão ruim: arrematada com um puta texto do dostoievski em francês, um prosecco (vários...) e alguns petit-fours deliciosos.
.
Amanhã vou sair de saia.
Mulherzinha, que sou!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

eternal sunshine of the spotless mind

me peguei pensando em ligar o computador e encontrar um email teu pedindo desculpas. Desculpas por existir. Desculpas por ter me conhecido, por ter me amado, por ter me compreendido, por ter me apaixonado. E que esse email fosse como um lenço branco e macio passando por cima da minha testa, te levando embora pra sempre.
Para sempre (existe, sim!).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

chove tanto...

... que eu pensei que o mundo poderia de repente acabar.
O que eu faria?!?
Iria dançar na chuva e correria pra dar um beijo na sua bôca.
E depois o mundo poderia se acabar.

amor em muros

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

o valor das coisas

Qual o preço da sua criatividade? E o seu conhecimento adquirido, acumulado, conquistado, quanto vale? Como dar um preço a uma boa ideia que nasceu de tudo que você viveu, viu, estudou e que agora está a serviço da humanidade?
Não, não falo só de direitos autorais. Essa reflexão vai além. Penso nesse mundo louco que transformou valor em sinônimo de preço. Até etimologicamente essas duas palavras pequeninas andam se confundindo. Várias situações nas últimas semanas me fizeram recorrer ao meu idealismo para tentar significar essa lógica perversa, que novamente me joga pra fora do sistema e me faz perceber que sim, estou dentro, mas completamente fora desse mundo.
É muito triste perceber que reduzimos tudo à materialidade e à imagem. Se de um lado esse elementos tornam o intangível palpável, por outro reduzem a possibilidades de acesso, de gozo, de fruição, de circulação. Pode parecer ingênuo, mas não consigo ver sentido no processo que leva a estabelecer o preço das coisas. Pronto: custa X. Um amigo outro dia me disse que está ganhando um dinheiro que eu considero justo para o trabalho que ele está fazendo. Ele também considera, senão não estaria fazendo. Mas fez uma ressalva: "Eu cobraria no mínimo o dobro se fosse pra fulano ou sicrano, mas tudo bem, tô apostando nesse projeto...". Aí eu falei pra ele: "Mas bicho, pra quem quer que fosse, por que você cobraria o dobro se esse preço te parece justo?!? Se paga tuas contas?". Ele concordou, mas não soube justificar. "Valor de mercado" ou qualquer outra frase feita foi o que usou.
Fico pensando por que achamos que precisamos sempre ganhar mais (?). A maior parte das pessoas que conheço acham que o que elas ganham nunca é suficiente. Mas suficiente pra quê? Em que momento acontece o clic em que nossas demandas vão aumentando, aumentando, aumentando... e até onde? E por que não conseguimos um segundo sequer para parar e pensar: de onde vêm essas demandas? São internas?
Necessariamente, dentro dessa lógica, nosso trabalho adquire mais preço à medida que o tempo passa. Mas será que adquire mais valor também? Será que a relação entre valor e preço é diretamente proporcional? E qual é o limite desse preço?
Acho que se chama ganância, mas não gosto dessa palavra. É feia e tem uma conotação unicamente negativa. E eu não acho que viver bem, com conforto e cercada de coisas boas seja negativo. Muito pelo contrário. Não sou uma pregadora da parcimônia e da abdicação material. Mas acho (já faz tempo) que está demais. O acúmulo é um conceito que não consigo internalizar, felizmente. Não faz sentido pra mim.
A vida é muito generosa. Tem pra todo mundo, inclusive pros que (ainda) não têm. Para mim, a abundância vem de sacar o tamanho do que você precisa. E quanto você vai cobrar/pagar pelas coisas que você (acha que) precisa.
Afinal elas têm um valor, antes de ter um preço.

domingo, 6 de setembro de 2009

baiano-novo-paulista

Lá onde o retorno de Saturno demorou mais pra acontecer do que em qualquer outro lugar do mundo nasceu um menino branquinho, de olhos verdes e coração de tamanho imensurável. Ele não foi pro interior. Veio pra capital buscando não chafurdar na lama. Leva uma vida espartana e divertida. Muito musical, cercada de instrumentos por todos os lados. Esse menino tem ideias mirabolantes e quer mudar o mundo. Isso já é uma realidade: sua presença é presente. Um presente, sua presença. Seu almoço é regado a jabuticabas maduras. Um tosco-sofisticado na medida certa de bobeiras desejáveis para um sábado com jeito de feriado.

Ele é um contador de histórias, esse menino.
E não sabe do que é feita a maria-mole. Ninguém sabe, na verdade.


E se eu naufragar
na beira do céu
no olho do furacão
e tua ilha me buscar

Morar nos teus olhos
Tal qual sereia à Iemanjá
E nadar pra casa de mãos dadas

Daniel Mã

sábado, 5 de setembro de 2009

aqui dentro aqui fora

Quando o mundo estiver em suas mãos, passe-o adiante com cuidado.

Aqui dentro: Tusp – R. Maria Antônia, 294. Quintas e sextas às 21h30
Aqui fora: Galeria Olido – Av: São João, 473. Terças e quartas às 16h
Criação do grupo O Povo em Pé.
R$ 20,00 / 10,00 (meia entrada)
Absolutamente SENSACIONAL.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

o cúmulo da hipocrisia

Ao lado da minha mãe doentinha na cama, fui (quase) obrigada a assistir um trecho da novela das 8 nesta noite chuvosa - quem acompanha este blog, sabe que não assisto televisão já há alguns anos.
Pois bem, além de chocada com a vera fischer, que mais parece uma mumia embalsamada e que, quanto mais o tempo passa, mais se esforça para ser pior atriz, vi uma cena da personagem da letícia sabatella apanhando feio da ex mulher do padeiro francês gostosão, debora bloch (?). Feio mesmo, minha gente! Não foi um tapinha e tchau. Foram vários safanões, chutes no estômago e puxões de cabelo. Uma cena de violência pesada - mas minha mãe contou que a personagem apanhou a novela inteira de vários, então não deve ser novidade. Na sequência, como se nada tivesse acontecido, a atriz silvia buarque (que faz um papel de professora), aparece falando sobre a violência nas escolas, sobre como evitá-la, o respeito aos coleguinhas - aparentemente a novela também aborda temas de violência escolar de modo bastante incisivo. Bom, se for da mesma forma como abordou a cena anterior, certamente será bastante educativo, para que os telespectadores se tornem mais pacíficos no seu dia-a-dia e terminem enjaulados como animais insandecidos.

O efeito catártico da ficção alivia a agressividade real? Ou por fim a identitificação com a ficção pode levar a reproduzí-la na realidade?
.
.
Deus, rogai por nós, que não sabemos o que estamos fazendo.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Meu amor, se eu tiver que me perder
Há de ser alguém parecido com você

Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Clarice Lispector, A Paixão segundo G.H.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

saudades de lugar nenhum

Sábado fui num bar onde nunca estive. Ele existe há 17 anos em São Paulo, ou seja, eu tinha 10 quando abriu. Cheguei lá e achei o lugar um moquifo. Moquifos costumam ter ótima música, pensei. Depois de alguns passos, muito charmoso. Aconchegante, clima de "lá em casa". Luz baixa, várias mesinhas, pessoas interessantes e um palco ao fundo. Bem iluminado. Um garçom simpático faz toda a diferença. Gostei, certamente me tornarei uma habitué, pensei (de novo). Sentei com uns amigos que já tinham chegado. "Pô, legal esse lugar, né, meu? São Paulo surpreende a gente com uns buracos, vou te contar...".
"Pois é", diz uma amiga. "Hoje é a última noite, estão fechando".
Como assim????????? Hein?! Encontro um lugar de música bacana, barato, com pessoas bonitas, garçom simpático... e vai fechar?
Dezessete anos se passaram e vai fechar BEM hoje???
Daí em diante parecíamos um monte de bêbados saudosistas. No palco se sucediam músicos mais ou menos significativos - a maior parte deles realmente bons, que de alguma forma prestavam homenagem à casa que foi tão importante para a música brasileira dos anos 1990. O bar parava para ouvir. E aplaudir. Entre uma entrada e outra, os dois sócios se revezavam para narrar pequenas histórias do lugar, detalhes de personagens especiais, palavras bonitas e comoventes. Todos participavam de alguma forma - até nós, que estávamos lá pela primeira vez. O clima não estava derrotista, mas genuína e estranhamente esperançoso. Amigos de longa data trocando abraços, cantando e bebendo juntos num ambiente familiar. A última frase de que me lembro, e anotei para não esquecer antes de algumas doses de Seleta, foi o Rafa dizendo: "Puxa, já estou quase com saudades de um lugar onde nunca vim". Nos olhamos. E rimos muito: na felicidade melancólica que só a madrugada é capaz de trazer.