Outro dia, minha mãe me perguntou quando eu havia optado
pelo parto natural, quando essa escolha se tornou uma possibilidade para mim.
Eu pensei por alguns instantes e a única coisa que eu consegui responder foi:
“Não foi uma opção, sempre foi uma certeza!”.
Agora, enquanto ouço o set list de músicas que preparei para
tocar durante o meu parto, me emociono ao lembrar de flashs daquele que, sem
dúvida, foi o maior momento da minha vida até hoje. Já não consigo imaginar
como seria viver sem ter passado pela experiência de trazer Antonio ao mundo
como eu sonhei e como ele desejou.
E foi assim: na segunda-feira, 11 de novembro, me olhei no
espelho antes de dormir e vi meu lábio superior muito inchado, parecia que eu
tinha depilado o buço. Como este é um dos indícios da preparação do seu corpo
para o parto, pensei: é amanhã! Acordei sentindo algumas contrações e liguei
para minha doula, Thiana. Ela é de Jundiaí, mas estava em São Paulo, pois havia
acompanhado um parto no dia anterior na cidade. Perguntei se ela poderia passar
em casa para nos vermos, pois não tinha certeza se aquilo já era o início do
meu trabalho ou se era um falso alarme. Só que ela, junto com minha parteira
Camila, estavam a caminho de Jundiaí onde outra gestante já estava em trabalho
de parto. Ops, pensei... e agora? E se não der tempo delas chegarem aqui? Ela se
certificou de que minhas contrações ainda não estavam ritmadas, me tranquilizou,
e disse que à noite ela e Camila estariam comigo. “Respira que vai dar tudo
certo!”. E foi isso que eu fiz, comecei a respirar.
Decidi ir até o Parque do Ibirapuera com minha mãe. Levamos
uma canga e ficamos deitadas à sombra de uma grande árvore conversando, rezando
e aproveitando os raios de sol da manhã. As contrações ainda estavam bem
espaçadas e fraquinhas, mas eu sabia que estava perto. Voltando para casa,
preparamos o almoço e fui descansar um pouco. Durante todo o tempo, Thiana e
Camila ficaram em contato comigo, trocando mensagens e monitorando meu estado. Eu
estava de fato tranquila. À tarde, perto das 16h00, Thiana me ligou avisando
que Valentina, filha da outra gestante, já havia nascido.
Confesso que fiquei
aliviada. Eu ainda não estava em trabalho de parto de fato, mas as contrações
já estavam um pouco mais doloridas. Minha mãe estava o tempo todo comigo. Pedi
doce de leite, ela começou a fazer um panelão. Ainda havia algumas coisinhas
pra pendurar no quarto de Antonio, então pedi a meu pai que pegasse o martelo,
porque “de hoje não passa”. Foi nesse momento, por volta das 19h30, enquanto
ele martelava a parede do nosso quarto, que senti uma pontada mais forte. E
depois de oito minutos, outra. E depois de cinco, mais outra. A evolução foi
bem rápida, ou não sei se fui eu que não percebi que as contrações estavam
ficando mais frequentes, mas minha sensação foi que aconteceu de repente.
Liguei para as meninas, elas estavam saindo de Jundiaí. Pedi pra acelerarem um
pouco na estrada, pois o negócio estava apertando.
Decidi entrar na banheira para dar uma relaxada. Apaguei as
luzes e acendi umas velinhas que já havíamos preparado. Minha mãe ao meu lado,
começamos a rezar juntas. Eu respirava concentrada e quando a contração vinha,
me ajoelhava na banheira e vocalizava um grande aaaaahhhhh, ou ooohhhhhh,
soltando o ar junto. Foi instintivo. Até aí ainda estava tranquilo, pois as
contrações estavam bem breves.
Depois de um tempo, decidi sair da banheira e
comecei a preparar o ambiente no quarto dos meus pais, onde havia escolhido
realizar o parto. Peguei meu tapetinho da yoga, estendi no chão, e coloquei por
cima várias toalhas que já estavam separadas. Tentei encontrar a posição mais
confortável para mim, sempre respirando e me concentrando muito. De quatro era
o modo como me sentia melhor. Acho que já era perto das 21h00 quando eu
realmente comecei a ficar um pouco aflita por estar sem o amparo das meninas,
mas eu sabia que dentro de poucos minutos elas chegariam. De fato, dali a 20 ou
30 minutos Thiana e Camila chegaram. Eu já estava meio em alfa, as contrações
já estavam bem dolorosas e nem sei mais de quanto em quanto tempo estavam
vindo, mas sei que era pouco.
Logo Camila fez o toque e constatou que eu estava com 5 para
6 cm de dilatação. Já?, perguntei. Nossa, que rápido... uau, em apenas duas horas
eu já tinha andado mais da metade do caminho. E sozinha! Fiquei confiante e
feliz com a notícia. E assim prosseguimos. Elas me apresentaram outras posições
que poderiam ajudar e juntas fomos construindo as próximas horas. O ambiente
estava aconchegante na penumbra e havia muitas velas espalhadas por todo o
quarto. Meus pais não saiam de perto de mim.
Inicialmente eu havia pedido para
meu pai não participar do parto, pois ele se afligiria e me deixaria mais
nervosa. Mas, para minha surpresa, foi ele quem ficou ao meu lado até o final,
quase ininterruptamente, aplicando um passe de energia em silêncio. No final,
foi minha mãe quem deu uma sumida - depois fiquei sabendo que ela ficou
bastante nervosa em me ver com dor e não aguentou ficar próxima.
Não demorou muito, chegou também a Dani, assistente da
parteira Camila, cuja presença foi essencial. Seu toque forte e carinhoso me
massageou muito em vários momentos, e sua voz maravilhosa ajudou a embalar o
parto com músicas lindas que cantamos juntas, além de tocar também alguns
instrumentos para chamar Antonio para este mundo.
Acho que perto da meia noite, a bolsa rompeu e pude sentir
aquela água viscosa e quentinha, que por nove meses havia guardado meu filho,
escorrer por entre as minhas pernas. A esta altura, eu já estava com muita dor.
Thiana me instruía a não resistir, a me entregar à dor, dizendo que ela não era
mais forte do que eu, e que ia passar. Enquanto isso, eu falava palavras doces
para meu filho, convidando-o a chegar e realizar a passagem. Lembro de ter
falado pra ele que iria leva-lo para conhecer os golfinhos em Fernando de
Noronha e que todos estavam muito felizes esperando por ele aqui fora. Durante
todo o processo, o bebê era auscultado com frequência e eu podia ouvir seu
coraçãozinho batendo a milhão, o que me tranquilizava bastante.
Já perto do início do expulsivo, voltei pra banheira
quentinha. Isso ajudou muito a atenuar a dor das contrações. Neste momento,
acho que por volta da 1h30 da manhã, eu já estava com 9 cm de dilatação, mas
Antonio estava gostando de ficar lá dentro e não descia. Então, Camila pediu
que eu saísse da banheira para ficarmos um pouco em pé rebolando, que
auxiliaria na expulsão. Relutei porque estava muito melhor ficar na água, mas
sabia que era necessário. Voltei então pro quarto e aí o bicho pegou.
Começou a
doer muito, de forma quase insuportável. Mas o corpo é muito sábio e, depois de
uma contração dolorosíssima, vinha outra mais leve para poder recobrar energias.
E a tal da vontade de fazer força chegou. Camila me orientou a ficar de cócoras
e disse que estava muito perto, Dani me sustentava por trás. Era muita dor,
muita! De repente, o urro da leoa trouxe Antonio de uma vez, chegou chegando!
Não consegui chorar. Ele veio direto pro meu colo, fiquei
olhando atônita, maravilhada. Exausta. Ele também não chorou. Era rosadinho e
grandão. Meus pais se chegaram e eu senti o amor da família com toda sua
potencia. Eu e Antonio só existíamos porque meus pais existiam.
Ficamos alguns instantes nos namorando, eu e meu pequeno.
Logo depois, fui para a cama e na sequência a placenta dequitou inteirinha. O
cordão foi cortado pela minha mãe assim que parou de pulsar, uns 15 minutos
depois. Antonio nasceu com 3.700kg e 53 cm. Não tive laceração e minha
recuperação foi espetacular, muito rápida. Mas o que mais me inspirou, o que me
faz dizer hoje que passaria por tudo isso de novo, foi o respeito e o amor com
que fui tratada. Estar na minha casa, junto
dos meus queridos, amparada por uma
equipe amorosa e atenciosa, tendo liberdade para me mover, comer, gritar sem
ser julgada, tudo isso não tem preço.
Meu parto domiciliar foi um ato de puro amor. Acredito que
tenha sido a primeira vez na vida que me dispus a vivenciar todas as sensações
de coração aberto, sem reclamar, sem julgar. E foi um exercício lindo de
doação. Sou outra mulher, agora mãe.