quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

3 em 1

Se eu tivesse que descrever um dia típico daqui, não saberia. Aqui não tem nada de típico, tudo é único. Às vezes, me pego pensando que estou no meio do oceano! Esse fato por si só já é bem excêntrico. Mas minha maior piração é sobre a noção de tempo. Logo que cheguei (e lá se vai um ano...) entendi rapidinho como funcionava: um dia equivale a três, mas passa numa velocidade três vezes maior. Não só pra nós, residentes, mas para os viajantes também... quantas vezes ouvi dizer "noooossa, estou aqui há 5 dias e parece que faz quinze!". Além das milhões de coisas que você consegue fazer em 24 horas, sinto que isso se deve sobretudo à intensidade dos acontecimentos. Os dias começam cedo e terminam tarde, os encontros são muitos e, a qualquer hora, podem mudar seu rumo. Totalmente, acredite. O mito de ser "um ilhéu" tem um impacto psicológico muito grande nas pessoas e acho que isso faz com que todos os dias façamos algo inédito ou absolutamente imprevisível acontecer. Ok, você vai dizer, a vida é assim... imprevisível. Mas na Terra do Nunca estamos sujeitos a uma imprevisibilidade tipo "só acontece em filme". Talvez, para explicar, seja realmente necessário um filme, tipo corra lola corra em slow motion ambientado em uma ilha oceânica.
Já morei em outros lugares e sei que cada um é especial à sua maneira.
Mas esse lugar é especial d-e-m-a-i-s. É único: talvez essa seja sua tipicidade.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

insônia.noite3

...porque eu não sei ficar na janelinha assistindo a vida passar. Eu preciso abrir a porta, escancarar as cortinas, deixar a luz do sol entrar. E se vier a chover, eu seco. Seco as lágrimas, seco por dentro, seco a chuva, até o sol voltar de novo. Já fiz isso muitas vezes. Não, não me vanglorio disso. Pelo contrário, gostaria de ter secado menos lágrimas e, sobretudo, de ter secado menos por dentro. Mas é assim que eu sei viver, essa sou eu. Vivo tudo. Depois morro tudo, de morte bem morrida. E depois vivo de novo, como planta que foi podada.
Hoje acordei pensando em você, acho que é porque soube que vai se casar. Felicidades, com gosto de maresia. É o que te desejo. O Feu sempre diz que o único lugar onde ele consegue sentir cheiro de maresia aqui é na Caieira. Estranhamente, é verdade. Mas hoje pela manhã, enquanto o vento rajava a um palmo da areia - como que por magia sem levantar um grão - eu, deitada na minha canga, o sentia acarinhando minha pele e trazendo aquele cheiro antigo e salgado de alga úmida. Tão bom, tão conhecido, tão confortável.

Quem não quer votos de felicidades-sabor-maresia?

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

insônia.noite2

A sala de espera do doctor era desconfortável. Tipo muito. E o doctor sempre atrasava. Tipo muito. Nunca entendi como um ortopedista que atrasa muito podia ter sofás tão desconfortáveis e anti-ergonômicos. Enfim, ele realmente não se importava com isso. Ficávamos lá afundados horas (esperando). Um dia, ele atrasou tanto que eu terminei de ler os textos da pós, o livro que eu tinha levado e já tinha folheado todas as Caras disponíveis. Comecei a arrancar as folhas coloridas da minha agenda e fiz trinta barquinhos de presente pra ele. Quando entrei no consultório, mão cheia de barquinhos coloridos de tamanhos variados, o doctor sorriu do fundo d'alma - acho que ele nunca teve uma paciente excêntrica que fez barquinhos de papel na sala de espera e ainda entrou sorrindo "olha o que eu trouxe de presente pra você!!".

O doctor atrasava porque não tinha pressa em atender. Ele ouvia atentamente minha história de vida, me olhando nos olhos e anotando de vez em quando. Estava interessado em mim, nos porquês das minhas dores. Pediu uma bateria de exames, me revirou do avesso. Entrei naquela máquina de fotografar o cérebro, em outras tantas que detalharam todos os ossinhos do meu corpo, visitei vários laboratórios da cidade. E esperei muito na sala desconfortável. No dia do veredito, ele não usou arrodeios: "querida, seus exames estão perfeitamente normais. Clinicamente, você não tem nada". "Como assim, não tenho nada??? Tenho sim! Eu sinto dores terríveis no meu corpo desde criança, tenho enxaquecas, dores nas articulações, minhas costas parecem as de uma velha de 80 anos.... pelo amor de deus, me fala que eu tenho alguma coisa, qualquer coisa, dessas que dê pra abrir e tirar e depois costurar de novo?".

Não teve jeito.

Nesse dia, o doctor conseguiu arrancar lágrimas de mim e me olhou calado. Perdi 8 meses da vida investigando meu DNA pra descobrir que minhas dores tinham uma raiz muito elementar: minhas emoções. E eu chorava porque no fundo já sabia - só que a solução era um tantinho mais complexa do que deitar numa mesa cirúrgica, cortar e costurar. E eu não sabia nem por onde começar.

Já tinha feito tudo o que podia, experimentado todas as técnicas, de agulhas a ginásticas orgânicas, terapias de vários tipos, até remédios que me deixavam doidona. O que fazer a seguir? mudar de cidade, de emprego, de namorado, de vida?

No pain, no gain, dizia um amigo meu. Custei a acreditar, mas acho que ele tem razão. A dor é uma grande professora. Física, em última instância. E cada vez que essas dores horríveis voltam, me bate um pânico, porque dói de verdade. Mas aí eu percebo que é só porque ainda tenho muito o que aprender.
Sorte que agora eu já comecei.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

refém

Estou muito abalada.

Sofri um sequestro.

Relâmpago - mas anunciado.

Virei refém da minha intensidade, prisioneira das minhas palavras. Cai na minha própria armadilha, tropecei nos meus passos meticulosamente calculados.

Durante o sequestro, um sem fim de auto-torturas. O tempo parecia não passar, um calor sufocante me tirava o fôlego: não conseguia respirar sua presença. Qual será minha culpa? Por que tanto abandono, medo e arrependimento? Ao longe, podia ouvir Marcelo Camelo cantando uma daquelas letras pseudo-intelectuais. Nem pra ter bom gosto musical, esse sequestrador filho da puta... Me fazer engolir rockinhos modernetes com letras melosas e suicidas era a pior parte, sem dúvida. Breve, muito breve, eu sabia que poderia suspirar da pedra mais alta, mergulhar na transparência com um cardume brilhante de sardinhas e me sentir livre como nunca. Mas agora não. Agora era rezar pra ele (o sequestrador, eu mesma?) ter compaixão. COM PAIXÃO. Por favor, por piedade, eu não quero passar por isso de novo. De novo não! Não quero dor, não quero lágrimas, não quero abandono.

Quero morango com chantilly delivery.
Passos de gigante juntos.
Ternura e cafés da manhã com flores.

É isso que eu quero.

E é isso que eu queria ter te falado, desde sempre.

[ufa]

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

bliss

Vou confessar uma coisa: faz tempo que não me sinto assim. Essa lufada de vento que escancarou a porta, a janela, a camisa, a boca. Parece um tufão, um swell gigante desses que cobrem o pier do porto...
Fiquei tão tonta que decidi ir ao médico. Disse a ele que devia ser o labirinto, mas ele receitou remédio pro coração: serenidade. É indicado que eu viva tudo com os olhos e ouvidos bem fechados para o resto do mundo. É profundamente indicado que eu me esqueça do abandono, das ameaças, que eu limpe meu dna emocional das marcas e feridas. "Isso aí é felicidade na certa", ele disse. "Só que tudo em excesso faz mal, você sabe, né?"
Pra amenizar os sintomas: mergulhos no azul, muitos jantares com amigos, algum sol e duas sessões de cinema.

Viver tudo novo.
De novo, mas como se fosse a primeira vez.

O segredo não é correr atrás das borboletas. É cuidar do jardim pra que elas venham até você.
[Quintana]

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

já vi esse filme

Eu me lembro bem quando a gente se conheceu. Você estava sem camisa, fazia calor e eu usava calça de sarja. Achei que você era mais um desses, livre pra amores que vem e vão - e não estava enganada. Mas você me disse que o horizonte era logo ali e que era lindo. Então eu achei que podia pegar o sol com a mão sem me queimar. Mas seu discurso não ecoava em mim. Não acredito em pessoas que não me encaram por mais de dez segundos. Achei você lindo, mas frágil como um graveto seco. E sua fragilidade me comoveu. Me apaixonei pela perspectiva de te salvar, mas a verdade é que a gente não salva ninguém. Já vi esse filme, e nessa eu não caio mais não. Muito obrigada.

"Que beleza é conhecer o desencanto
E ver tudo bem mais claro no escuro"
Tim Maia Racional